sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

O escritor Salim Miguel fala sobre Walmor Marcellino no jornal Diário Catarinense no dia 30 de janeiro deste ano

Transcrição do jornal Diário Catarinense de 30 de janeiro de 2010

Letras e lutas

Morto em 2009, Walmor Marcellino faria 80 anos no dia 4 de fevereiro. Foi e não foi surpresa a notícia do falecimento em Curitiba, em fins de setembro de 2009, de Walmor Marcellino, jornalista, escritor e ativista político de esquerda. Um mês antes, eu havia recebido por telefone solicitação do e-mail do Silveira de Souza e do meu, pois Walmor estava doente e queria se comunicar conosco. Perguntei à voz feminina como ele estava de saúde, ela respondeu que os médicos o consideravam em fase terminal. Silveira e eu jamais saberemos o que ele queria nos dizer, pois logo nos chegaria a notícia de que ele havia morrido.
Tomado pela emoção, tento traçar o perfil e a trajetória do amigo. Natural de Araranguá onde nasceu em 1930, logo deixou sua cidade natal. Em 1947, surgia em Porto Alegre a revista Quixote, com o slogan “vamos fazer uma barbaridade”, entre os colaboradores estavam Silvio Duncan, Vicente Moliterno, Manuel Walter, Heitor Saldanha, Raimundo Faoro e Walmor Marcellino. Será que aos 17 anos Walmor Marcellino participou da criação da Quixote? O certo é que, no início dos anos 1950, ele estava matriculado no Curso Clássico do Instituto Estadual de Educação, em Florianópolis, quando ficou conhecendo João Paulo Silveira de Souza. Um dia, os dois me aparecem na Livraria Anita Garibaldi, ponto de referência dos jovens e dos não tão jovens, para bater um papo. Desde então, embora de maneira intermitente, jamais perdemos contato.
Na verdade, o perfil e a trajetória deste intelectual combativo podem ser marcadas e definidas a partir do momento em que ele chega a Curitiba. Trabalhou nos jornais Gazeta do Povo e Última Hora. Depois do golpe de 1° de abril de 1964, veio para Florianópolis, mas não se sentindo seguro foi se esconder em um sítio. Só fui saber dele em 1968 quando, em manifestação de rua, foi espancado pela polícia; foi preso duas vezes e, por essa época, perdeu seu emprego na Assembleia Legislativa do Paraná, que só foi recuperar com a Anistia. Nos anos 1980, reencontrei-o em Curitiba, primeiro na redação da Revista Nicolau de Wilson Bueno e depois em um bar.
Sempre combativo, Walmor dividia-se entre o escritor e o lutador pelas causas democráticas. Não sei quantos livros ele publicou. Tenho doze, o mais antigo, Janela para o mundo, é de 1964, e o mais recente, Duelo de corte vivo (poesia), de 2003; Os idus de março e os ódios de abril (teatro) é de 1996; Verberação dos demônios (ensaio), de 2000; A cólera é uma loucura breve (narrativas), de 2001. Busco agora, em fragmentos de memória, recuperar nossas conversas ou nossos telefonemas e, por mais que me esforce, não consigo traçar com precisão a trajetória de alguém que tanto lutou por um país mais solidário e menos desigual. Das muitas cartas recebidas, encontrei apenas quatro, das quais uma está aqui reproduzida:

“Meu Caro Salim,
recebi o jornal da Fundação, bem como a intrigante peça-novela As Várias Faces, cuja urdidura de estereótipos sociais em vozes excêntricas aos valores estéticos e humanos confere uma significação peculiar à capa das relações sociais, mais do que às relações do artista-farsante, mais do que aos cenário do roubo, mais do que à exposição, mais que ao quadro e muito mais que ao trivial olho do gato não significante. Experiência curiosa, nos limites implícitos da novelística, porém expressos no “teatro”.
Estamos em expectativa para uma visita coletiva (Jamil, Fábio) à Ilha e conhecer o agir da Fundação, aproveitando para conversar.
Por aqui, a “cultura” vai sendo objeto de uso de restritos grupos e de fino ornamento político municipal e estadual. Apesar disso, achei-me obrigado a aceitar um lugar no Conselho Editorial do novo Nicolau. “Obrigado porque acreditei que seria possível um veículo de crítica cultural e artística, além de divulgador da literatura, da poesia e das artes; contrariando os monopólios da progênie “sic” protoconcretista, concretista ou da reengenharia estética “post-moderna”; e acabar com a confraria estética dos homossexuais e outros grupos de autoproteção, promoção e conforto.
A chamada economia de mercado e a indústria cultural formaram padrões na grande imprensa e nas universidades, de que os exemplos mais significativos são a Folha de S. Paulo – Otávio Frias Filhos, seus sete anões da kulturcritik e os Irmãos Kampos –, o Jornal do Brasil e a Rede Globo de Artes, Espetáculos, Ofícios e Merchandisings. E então a organização social autônoma, a inteligência comunitária, o pensamento crítico “independente” e a criatividade alternativa têm que buscar soluções livres para seus usos e trocas.
Para vocês e os porto-alegrenses que vivem uma tentativa de ações comunitárias ainda existe a satisfação de pensar e tentar estratégias de agir comunitário e de buscar a consolidação de ideias sociais correntes, juntamente com o fazer pessoal. Com o sentimento de que menosprezamos sempre as oportunidades não de uma “estética de comando”, sob a ditadura de burocratas e agentes autodesignados de vanguarda estético-política, mas de favorecer uma estética de compromisso, que reflita o modio e as dimensões da sociedade especialmente dos produtores diretos.
Todavia, estamos conscientes de que, ante a débacle do socialismo de fachada e a feérie do ultraindividualismo e do consumo tribal, resta-nos pacientemente reencontrar uma estética social, recomeçar um agir comunicativo que possa produzir seus frutos estéticos e políticos.
Como você vê, já estou escorregando em um monólogo perigosamente solto, do que peço desculpas.
Sob o pretexto de que você está ao centro de um círculo de produtores, por vezes me acode de perguntar de algumas pessoas: João Paulo, A. Boos, Miro, Buss...”
Em 4 de fevereiro deste 2010, Walmor Marcellino completaria 80 anos. Amigos de Curitiba vão homenageá-lo no auditório da Biblioteca Pública, ao mesmo tempo em que será lançado o livro Ulsiscor, que deixou inédito. Associo-me às homenagens ao mesmo tempo em que transcrevo versos do livro Todas as palavras, que bem podem lhe servir de epitáfio:

“A pele translúcida

o rosto adormecido;

foi tudo tão rápido

como um passo à eternidade.

Sua alma implodiu

quando mais pedia vida”.

* Escritor e jornalista, autor de Jornada com Rupert, Nur na Escuridão e 1º de abril – narrativas da cadeia, entre outros livros

POR SALIM MIGUEL *

Um comentário:

  1. Confraria estética dos homossexuais é de matar..........Excelente!!!!!

    Obrigado porque acreditei que seria possível um veículo de crítica cultural e artística, além de divulgador da literatura, da poesia e das artes; contrariando os monopólios da progênie “sic” protoconcretista, concretista ou da reengenharia estética “post-moderna”; e acabar com a confraria estética dos homossexuais e outros grupos de autoproteção, promoção e conforto.

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