terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

De Alex Tolkmitt para Walmor

Caros;

Quando era eu pequeno, minha mãe volta e meia brincava com "as armas e

os barões assinalados..." do Camões assim como com outros textos e

poesias, e me contava que eu tinha um Tio que conhecia estas coisas

muito bem, ainda melhor que ela, um Tio que lia e escrevia, imaginava e

lutava. Como destas coisas que lembramos da infância e não sabemos

porquê "esta" lembrança ficou e tantas outras se foram, as grandes

palavras e suas viagens por um imaginário maravilhoso e desconhecido, a

possibilidade do diferente e o confronto com o desafio imaginário ou

não, se tornaram, lentamente, uma ligação entre eu e meu desconhecido

Tio que minha mãe intermediava.

Certo dia, ainda morando em Londrina, sem avisar, aparecem dois homens

lá em casa para dormir e meus pais insistiam arduamente que era

imperativamente proibido eu falar desta visita para qualquer pessoa, nem

para meu melhor amigo. Em meio a tanto mistério, pedi a minha mãe que

pelo menos me dissesse quem eram e, na manhã seguinte, ao saírem bem

cedo, minha mãe me apresentou meu Tio que, finalmente, tinha um rosto e

misturava o tanto ouvir dizer com pelo menos um pequeno momento de

apresentação. Ele existia mesmo!!!!

E assim começa esta história para mim que, nem sabia eu, não se acabaria

nunca!

Tempos se passaram e o "mito" Tio foi virando gente, real, humano,

passando em casa de vez em quando para "largar" alguma coisa que ele

dizia não ser nunca algo de interessante mas eram sempre coisas ou

experiências, comidas, discos ou livros que me viravam a cabeça e me

transformavam. Suas palavras, seu gesto, sua história, seu ser e sua

maravilhosa subversão iam fazendo daquele menino e adolecente um alguém

outro,homem talvez, que, a cada passo, tinha a possibilidade de ter um

Tio, presente ou imagem, para mostrar novos e diferentes caminhos e

opções, para transtornar e transformar, para eu aprender a ser e pensar.

E assim aquele meu "tio Walmor" foi se transformando simplesmente no

"meu" "Tio", cada vez mais maiúsculo e presente, mesmo na distância.

Hoje, muito do que sou e das alegrias e "riquezas" que tenho e tive na

vida devo a meu Tio!

Por causa dele eu quis conhecer arte e cultura, e hoje sou artista.

Por causa dele eu quis ler clássicos, fui à literatura e ao teatro, e

hoje os adoro e eles formam grande parte do que sou.

Por causa dele eu quis conhecer filosofia que é hoje uma paixão e um

modo de vida.

Por causa dele li Marx e hoje me vejo me chamando de Marxista.

Por causa dele entendi certos conceitos de integridade que hoje em dia

me são vitais.

Por causa dele conheci um outro conceito de "lutar" que me é tão

importante que tento passar para minhas filhas.

Por causa dele conheci a subversão que, entre outros, é a base da

criatividade que uso hoje como artista e a força de possibilidades

"outras" que me abrem os horizontes a cada passo, meu e da minha família.

Por causa dele penso e sou diferente.

Tive na vida, em meio às lutas de imigrante, artista e

ser-humano-social, épocas realmente difíceis, à beira do abismo e, não

só por ele mas também por causa dele, sobrevivi.

E por causa dele tantas coisas...

E destas tantas coisas tive e tenho tanta felicidade, tanto prazer,

tanta riqueza, tantos encontros e tanta vida.

Dizem por aí que, se você for capaz de mudar a vida de alguém, você

conseguiu mudar o mundo. Pois é, se alguém perguntar qual mundo ele com

certeza mudou vocês já tem pelo menos uma resposta: eu.

Não posso estar aí hoje e, na verdade, não escrevo esta carta para ele

pois eu já o tinha dito o quão importante ele foi e sempre será para

mim. O que eu quero aqui é agradecer a vocês. Não convivi com o Tio, não

tive anseios e esperanças quanto a ele, não dependi dele, não estive sob

um teto com suas virtudes e seus defeitos, não o ajudei em nada, não fiz

parte de qualquer dia-a-dia e não posso deixar de agradecer a vocês por

terem feito todo o "dia-a-dia", bom ou mal, chuva ou sol, relação

direta humana com todas as suas alegrias e problemas para que eu pudesse

ter este Tio tão especial que tive! Obrigado!

Por fim, mando uma música do Silvio Rodriguez que para mim é um hino ao

não desistir, ao "não se sentar para descansar", é para mim uma foto do

Tio e um guia.

"Meu amigo" nesta música se chama Tio e o "velho que seca, com a sombra,

o suor" é a história que temos, para qual o Tio agora passa. Mas não

fiquemos tristes pois sabemos que

"quem tiver canção terá tormenta

quem tiver companhia, solidão

quem seguir um bom caminho terá cadeiras

perigosas que o convidem a parar.

Mas a canção vale uma boa tormenta

e a companhia vale a solidão

sempre vale a agonia da pressa

mesmo que se encha de cadeiras a verdade".

Este Tio que viveu "na ponta mais aguda que existe", foi "soldado e

amante", foi "madeira e metal", "que é o mesmo que semeou rosas

que também semeou razões de bandeiras e arsenal", agora "meu" Tio, você

pode finalmente sentar e descansar.

abraços;

alhures;

alex.

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