segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Os caminhos da economia após o Fórum Social Mundial - matéria veiculada pela Agência Carta Maior

Agência Carta Maior

Convergência Sul-Sul para uma nova economia pós-crise

Parte da programação oficial do FSM Temático Bahia, o Seminário Crise e Oportunidade reúne, até domingo, intelectuais, atores sociais e governos dispostos a debater as relações entre países do sul “com sentimento e sem Power Point”, como resume um dos principais agitadores do grupo, o economista Ladislau Dowbor. Uma das primeiras conclusões é que, em termos macroeconômicos, sociais e ambientais estamos todos à deriva, destruindo o planeta em favor de uma minoria, para ampliar a oferta de bens sem critérios de prioridade de uso ou de impacto ambiental e social.

Clarissa Pont

SALVADOR - A solução para não submergirmos é uma nova economia, que surge a partir das relações entre países de economia emergente, como apontou a mesa na manhã desta sexta-feira (29) “Sul – Sul como alternativa”. O encontro em Salvador é fruto de um debate anterior que reúne nomes como Carlos Lopes, Darlene Testa, Eduardo Suplicy, Ignacy Sachs, Luiz Gonzaga Beluzzo, Moacir Gadotti, Márcio Pochmann, Paul Singer e Roberto Smith. Partindo de um excelente texto base o encontro, abriu, ainda que informalmente, as atividades do FSM em Salvador. A abertura oficial ocorreu na noite de sexta com a presença do Governador da Bahia, Jacques Wagner e representantes da Comissão Organizadora do FSM-BA. A noite encerrou com a conferência de Susan George: “A Convergência das Crises”.
O grupo acima defende que uma crise dos moldes da iniciada em setembro de 2008 pode trazer mudanças e oportunidades, inclusive o estabelecimento de novos modelos de desenvolvimento, o que torna urgente a análise de para onde navegam as economias do sul do mundo. Segundo o coordenador-residente das Nações Unidas e representante do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Carlos Lopes, a nova realidade dos países do sul desenha uma macroeconomia que pode gerar novas dinâmicas mundiais. “Até o ano 1.000 da História, o Sul representava 82% da população e da riqueza mundial. A partir deste século, surge um movimento de recuperação do seu papel em importância econômica, capitaneado justamente por países emergentes”.
São países como o Brasil, que apresentam uma realidade de crescimento e indicadores positivos na área econômica, ao contrário do cenário ainda preocupante constatado nos Estados Unidos e na Europa. A África do Sul, por exemplo, tem um estoque de capital superior ao da Bolsa de Valores de São Paulo – Bovespa e da maioria dos países europeus. Apesar da fama da exploração de minérios, 70% do seu PIB decorrem da produção industrial.
Para Lopes, a criação do G20 foi fundamental para que a crise não tivesse dimensões ainda mais catastróficas. “Os países do Bric vão assumir a liderança mundial junto aos Estados Unidos em 2050. Não falta muito tempo para que a China seja o primeiro líder. É a emergência de um novo poder no Sul, com uma camada de aspecto econômico, mas outras camadas igualmente interessantes”, completou.
Ao contrário do que dizia o título da mesa, no entanto, para o doutor em economia e professor das universidades de Buenos Aires e de Havana, Jorge Beinstein, o pós-crise não existe. “Diria que temos que pensar no papel dos países do sul no mundo em crise; e não pós-crise”. Autor, ainda em 2001, de Capitalismo senil: a grande crise da economia global, o argentino grifa que tal relevância dos países do sul também passa pela população. “Em números, a trama de acordos entre o sul representa hoje milhões de pessoas”, apontou. Segundo ele, o mundo não observará o surgimento de uma nova potência nas próximas décadas, mas sim a oportunidade de crescimento de pequenas experiências ao redor do mundo. “Há um fenômeno de declínio dos Estados Unidos. Não é uma partição em quatro ou cinco potências. O que presenciamos é a decadência da unipolaridade, um processo de despolarização, de aparição de espaços de liberdade e de desenvolvimento”, finalizou.
Contra a hegemonia do pensamento neoliberal e pela aglutinação destas novas experiências, Júlio Lopez Gallardo defende o valor do pensamento econômico do sul. O professor da Universidade Autônoma do México afirmou ser espantoso “existir tanta força na lógica do capital quando o paradigma neoliberal não possui base teórica consistente”. “A difusão da ideologia neoliberal possui uma inserção social tão grande que se atrever a mostrar possibilidades distintas a isto parece um atrevimento. A reconstrução do pensamento econômico virá do sul”, concluiu.
Outra evidência desta nova configuração se evidencia no aumento do fluxo migratório para os países do sul. O Brasil desponta na linha de frente como dono do maior potencial para abrigar um movimento de migração laboral. “A região tem um papel a cumprir e pode se beneficiar por estar nas rotas dos movimentos migratórios internacionais dentro dessa mudança de fluxos que estamos assistindo em função da crise e das atividades terroristas no mundo. Acredito que o Ministério do Trabalho e o Itamaraty estão agindo deforma acertada nesta dimensão”, acrescentou a pesquisadora da Unicamp e do IBGE, Neide Patarra.
Finalmente, para o secretário Nacional de Economia Solidária Paul Singer, a crise pode ser uma “grande oportunidade”. “Todos os governos do mundo simplesmente jogaram fora os ensinamentos da ortodoxia neoliberal e tiraram Keynes da naftalina. Isso significa aumentar o gasto público e o crédito o máximo possível”, disse. Para ele, um modelo de economia sem a figura do patrão e do empregado se sobrepõe como alternativa viável às práticas vigentes dentro do estratagema capitalista. “Se olharmos as coisas com a devida perspectiva do tempo, há uma grande esperança de superação do neoliberalismo; do capitalismo selvagem que gera um desemprego em massa de um lado, e super exploração dos trabalhadores de outro; e a construção de uma nova economia, que tem valor de uso como objetivo, e não o valor de troca”, completou. “Mas perante a crise, a proposta mais concreta que eu defendo é simplesmente nacionalizar os bancos”, enfatizou, seguido de uma salva de palmas.





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