terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

As homenagens e lembranças em relação a Walmor Marcellino continuam

04/10/2009 – Célio Heitor Guimarães (Coluna no jornal “O Estado do Paraná”)



E o guerreiro descansou

A notícia chegou pelo computador, na manhã de sexta-feira. Curta, doída e cruel, como ele gostaria que fosse: "Comunico que o Marcellino acabou de morrer". Assinava a mensagem Elba, a fiel companheira, que tantas vezes aplacou-lhe a fúria, ao mesmo tempo em que o ajudava a manter acesa a chama. E, com o guerreiro Marcellino, Curitiba e o Paraná perderam uma de suas mais importantes referências.

Jornalista, poeta, escritor, autor teatral e polemista militante, Walmor Marcellino, catarinense de nascimento, gaúcho de formação e paranaense por adoção, foi uma das inteligências mais contundentes e mais incompreendidas destas bandas. Trazia a indignação à flor da pele e fazia questão de bradá-la publicamente, sem receio ou meias palavras. Pero sin perder la ternura jamas! Por isso, não havia meio termo: era estimado ou odiado. Podia-se discordar dele, não compartilhar de sua luta, mas era preciso respeitá-lo. Viveu como pregava: coerente e fiel a seus princípios até o fim. Nunca visou glórias ou benefícios pessoais. Nem mesmo do imenso sofrimento final reclamou. Preferia sofrer em silêncio. Mas enlouquecia com as injustiças do mundo. Sobretudo quando estas partiam de poderosos sem qualificação, do cínico Judiciário e de ex-colegas de luta.

— Coisa triste é ver que, quando um dos nossos companheiros de ideal chega ao poder, é capaz de relevar-se tão canalha quanto aqueles que combatemos a vida toda! - disse-me certa feita, com amargura.

Como poeta, soube conviver com as sombras, ciente de que a neblina é também necessária. Ainda que para viabilizar aluz.

O teatrólogo Bertholdo Brechet apregoava que há homens que lutam um ano e são bons; há outros que lutam um ano inteiro e são melhores; há aqueles que lutam muitos anos e são muito bons; mas há os que lutam a vida inteira. Esses são indispensáveis. Walmor Marcellino foi um deles.

Fazia algum tempo que eu não o via. Sabia-o doente, mas achava que ele, depois de alguma negociação, conseguira selar um pacto de convivência pacífica com a doença. Acompanhava os seus desabafos pela internet e achava-o afiado como sempre. Era visível, porém, o seu crescente desencanto, a desilusão com os rumos do país e de nossa gente. Isso, aliás, ficou evidente no último texto que escreveu, no dia 07 do mês passado:

"O povo é bom, mas é interesseiro e ingênuo, para não ser visto como burro. Este apotegma, a sua vez, é primarista, apofântico e cruel, mas a ele somos conduzidos pela atitude de classe e sua presunção de verdade. Essa "verdade' é o pensamento politicamente correto e conforma a ideologia civilizatória com que nos afagam".

E, como conclusão: "Sem uma rigorosa análise de classe, de dentro das lutas sociais e com a responsabilidade de discerni-las do ponto de vista do trabalho, de sua dinâmica produtiva e de sua força inovadora, o discurso ideológico passou a ser o poder artificioso com que se explicam e garantem a hegemonia de classes e a justiça de sua imposição a todos".

Não sei por onde andará agora o nosso Marcellino. Suponho que, mesmo com toda a desesperança, teria preferido continuar aqui, na luta. Seu corpo foi cremado, mas e a alma, na qual ele não acreditava? Se nada existir depois da morte, como achava, sua essência foi simplesmente reconduzida ao lugar de onde veio, quando o universo foi criado. Se, no entanto, ele tiver sido surpreendido com o fato que a morte nada mais é que a passagem para outro espaço, como afirmam os religiosos, não teve também o que temer. Como deduz Rubem Alves, "Deus é amor e não tem vinganças para realizar, mesmo que não acreditemos nele. Jamais se vingaria de seus filhos". O Todo Poderoso deve ter recebido Walmor com um sorriso, dado um abraço nele e o convidado para uma boa conversa. Pelo menos é o que contarão os querobins ao vê-los desaparecer abraçados numa colina do céu.

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