terça-feira, 25 de maio de 2010


Agência Carta Maior

25/05/2010


DEBATE ABERTO


Protagonismo do Brasil no front externo

Como era de se esperar, os esforços do Brasil e da Turquia encontraram na imprensa brasileira uma espécie de filial da imprensa norte-americana em seu interesse de diminuir os esforços de paz e trabalhar pelo esforço de guerra que, certamente, começa a tomar corpo com as novas sanções ao Irã.

Washington Araújo

É impressionante a capacidade de nossa “grande imprensa” de minimizar o papel que o Brasil passou a desempenhar no front externo. Até entendo. Dezenas de anos atrelado à visão e a políticas emanadas ou dos Estados Unidos ou de países europeus fizeram com que nossa imprensa considerasse de todo impossível que o Brasil tenha luz própria, pense com sua própria cabeça, veja com seus próprios olhos o que ocorre no mundo, cada vez mais dicotômico e maniqueísta.

Dia 17 de maio de 2010 é anunciado em Teerã o acordo celebrado entre o Irã, o Brasil e a Turquia visando desatar o nó cego em que a questão nuclear envolvendo o Irã se transformou. A arrogância, a prepotência e o sentimento de serem “donos da bola” minaram por completo o necessário ambiente para o diálogo, para o entendimento entre Estados Unidos e o Irã. O Brasil tratou de afastar os fios desencapados, o que por si só já valeria duradouros louvores, fosse afastada a má vontade da grande imprensa com a percepção de um Brasil independente e atuante e que não parece querer se sujeitar a “protagonismo secundário” na cena externa.

Agora mesmo vemos a ausência de intenções sinceras pelos países-membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas ao tratar do acordo conseguido pelo Brasil e pela Turquia junto ao Irã na questão do domínio de tecnologia nuclear. Quem decide as coisas dentro das Nações Unidas? Quem amarra o sino no pescoço do gato?

Na Assembléia Geral estão todos, mas estes só formulam recomendações, emitem opiniões como se estivessem em clube recreativo das nações. Quem toma decisões mesmo é o Conselho de Segurança, onde cinco países têm direito a veto. É a lógica dos vencedores da Segunda Guerra Mundial ainda comemorando, inebriados, o ocaso dos nazistas na Alemanha e observando partículas de poeira nuclear que varreram as populações das cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki.

Pois bem, esses cinco países que prezam pela paz no mundo e se autodesignam tutores da segurança internacional são os cinco principais produtores de armas. Ou seja: os que lucram com a tragédia humana são também os defensores angelicais da paz mundial. E enquanto não se mudar essa estrutura de poder não poderá haver nem justiça nem democracia no mundo.

Tampouco haverá paz, pois se as guerras necessitam de armas, as armas também necessitam de guerras. E não se fazem guerras com povos amigos: há que se escalar o inimigo, a bola da vez. Para isso, que se rasguem todos os tratados de relações internacionais, de diplomacia, de ética a permear a convivência entre as nações.

Mas, como era de se esperar, os esforços do Brasil e da Turquia encontraram na imprensa brasileira uma espécie de filial da imprensa norte-americana em seu interesse de diminuir os esforços de paz e trabalhar pelo esforço de guerra que, certamente, começa a tomar corpo com as novas sanções ao Irã.

E antes que os apressadinhos de costume entendam que estou defendendo o Irã declaro, logo de início, que bem ao contrário, continuo com o pé atrás quando se trata de avalizar a palavra dada pelos que falam em nome do governo iraniano. Naquele país de riquíssima história, um dos berços da humanidade, encontra-se um imenso déficit de respeito ao mais importante dos anseios humanos – o respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana. Os bahá´ís que o digam, idem os cristãos, os curdos, as mulheres, os homossexuais, os jornalistas. A lista dos que têm seus direitos humanos violados sistematicamente no Irã é realmente de encher os olhos de dor e tristeza.

Feita esta advertência, voltemos ao curso do texto: ganha uma assinatura de Veja quem apostar que não demora muito a ficarmos sabendo que o Irã possui imensos depósitos de armas químicas para destruição em massa. O resto do filme é já conhecido por todos. Passou no Afeganistão, passa no Iraque e deseja ser exibido em 3D no Irã.

Estarei errado ao entender que nosso mundo é escandalosamente injusto?

Washington Araújo é jornalista e escritor. Mestre em Comunicação pela
UNB, tem livros sobre mídia, direitos humanos e ética publicados no Brasil,
Argentina, Espanha, México. Tem o blog http://www.cidadaodomundo.org
Email - wlaraujo9@gmail.com
Agência Carta Maior

01/05/2010

DEBATE ABERTO

A política de desarmamento do governo Obama

O que o presidente Obama está propondo, de fato, é uma espécie de congelamento da atual hierarquia do poder militar mundial, com a manutenção do direito e da obrigação dos EUA de aumentar continuamente os seus próprios arsenais.

José Luís Fiori

“America´s interests and role in the world require armed forces with unmatched capabilities and a willingness on the part of the nation to employ them in defense of our interests and the common good. The United States remains the only nation able to protect and sustain large-scale operations over extended distances. This unique position generates an obligation to be responsible stewards of the power and the influence that history, determination and circumstance have provided”

(Department of Defense, USA, Quadrennial Defense Review Report, February 2010)

Depois de quinze meses de discursos e indecisões, o presidente Barak Obama conseguiu transformar em fatos, o que deseja ser a marca de sua política externa, voltada para o desarmamento e o controle nuclear. No inicio do mês de abril, Obama redefiniu a estratégia nuclear dos Estados Unidos, prometendo não utilizar mais armas atômicas contra países que não as possuam, e que assinem e cumpram com o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP). Logo em seguida, no dia 8 de abril, Barak Obama, assinou - em Praga - um acordo com o presidente russo Dmitry Mevedev, com o objetivo de reduzir o arsenal nuclear duas maiores potências atômicas do mundo. E quatro dias depois, Barak Obama liderou a reunião da Cúpula de Segurança Nuclear, reunindo em Washington, 47 chefes de Estado, para discutir a sua própria proposta de controle da proliferação nuclear, ao redor do mundo. Com vistas à reunião qüinqüenal de reexame do Tratado de Não Proliferação Nuclear, que se realizará no próximo mês de maio, na cidade de New York, com a participação dos 189 estados assinantes do TNP.

Até aqui, a retórica e a encenação foram perfeitas, mas os limites e contradições desta nova proposta de desarmamento do presidente Obama, são muito visíveis. Em primeiro lugar, o que ele chamou de “nova estratégia nuclear americana”, não passa de uma decisão e de um compromisso verbal que pode ser revertido e abandonado em qualquer momento, dependendo das circunstâncias e de uma decisão arbitrária dos próprios EUA. Em segundo lugar, o acordo entre os presidentes Obama e Mevedev, envolve uma redução insignificante e quase só simbólica, dos seus arsenais atômicos, permitindo ao mesmo tempo, a substituição e modernização das cabeças nucleares dos vetores já existentes.

Além disto, o novo acordo de desarmamento não incluiu nenhuma discussão a respeito do aumento exponencial dos gastos militares norte-americanos nos últimos anos, nem a respeito do aperfeiçoamento dos novos vetores X 51 da Boeing, com capacidade nuclear e que entrarão em ação em 30 meses, sendo capazes de alcançar qualquer pais do mundo, em menos de uma hora. Nem tampouco se falou dos novos submarinos russos Yassen, que tem capacidade de transportar 24 mísseis a bordo, cada um com seis bombas atômicas. Em terceiro lugar, em nenhum momento e em nenhuma destas reuniões se mencionou o armamento atômico da OTAN, localizado secretamente, na Alemanha, Itália, Bélgica, Holanda e Turquia. Nem muito menos se incluiu na discussão os arsenais atômicos de Israel e Paquistão, que estão hoje sob o controle de governos com forte presença de forças fundamentalistas e belicistas, e que atuam sob a batuta dos próprios norte-americanos.

Por fim, é lógico que não aparece, em nenhum momento, nesta agenda pacifista de Barak Obama, o aprofundamento recente da Guerra do Afeganistão, e os preparativos dos Estados Unidos e de Israel, para um ataque arrasador contra o Irã, que é um país que não possui armamento atômico, e que assinou o Tratado de Não Proliferação, ao contrário de Israel.

Estas contradições não são novas nem surpreendentes, fazem parte da política externa dos Estados Unidos, desde o fim da Guerra Fria. O importante, neste caso, é que os demais países envolvidos entendam e assimilem a lição, e saibam se posicionar em função dos seus próprios interesses. Os Estados Unidos são um “poder global”, e os “interesses nacionais” de um poder global envolvem posições a defender em todo mundo, o que diminuiu muito sua capacidade de sustentar princípios e valores universais. Por isto, depois do fracasso do fundamentalismo quase religioso do governo Bush, o presidente Obama vem surpreendendo alguns analistas com o realismo pragmático e relativista de sua política externa. Mas o seu objetivo central segue sendo o mesmo, ou seja, a primazia mundial dos Estados Unidos. Além disto, ao contrário das aparências, em plena crise econômica, Barak Obama decidiu mudar o foco e consolidar e dedicar-se à consolidação do poder militar americano em todo mundo, sem grandes preocupações com diretos humanos ou com a difusão da democracia, e demonstrando plena consciência de que este poder militar é indispensável à reconstrução da economia americana e da própria liderança mundial do Dólar. Deste ponto de vista, o que o presidente Obama está propondo, de fato, é uma espécie de congelamento da atual hierarquia do poder militar mundial, com a manutenção do direito e da obrigação americana de aumentar continuamente os seus próprios arsenais.

Os reveses econômicos e militares dos Estados Unidos, na primeira década do século XXI, atingiram o projeto de poder global dos EUA, mas ele não foi abandonado. Hoje, está em curso um realinhamento interno de forças dentro do establishment americano - como ocorreu na década de 70 - e desta luta interna poderá surgir uma nova estratégia internacional, como aconteceu nos anos 80, com o governo Reagan. Mas estes processos de realinhamento costumam ser lentos e seus resultados dependerão da própria luta interna, e dos desdobramentos dos conflitos externos em que os Estados Unidos estão envolvidos.

De qualquer maneira, o que é importante compreender é que seja qual for o resultado desta disputa interna, os EUA não abdicarão voluntariamente do poder global que já conquistaram e não renunciarão à sua expansão futura. A política externa das potências globais tem uma lógica própria, e por isto mesmo, com ou sem política de desarmamento, os EUA deverão seguir aumentando sua capacidade militar de forma contínua, e numa velocidade que deverá crescer nos próximos anos, na medida em que se aproxime a hora da ultrapassagem da economia americana, pela economia chinesa.


José Luís Fiori, cientista político, é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Agência Carta Maior

03/05/2010




DEBATE ABERTO


Lula, as elites e o vira-latas

É extremamente interessante que o brasileiro de maior destaque no mundo hoje seja um mestiço, nordestino, de origens paupérrimas e com déficit de educação formal. Para todos os segmentos das elites nacionais, nostálgicas de uma Europa que as rejeita, é como uma bofetada! E assim foi compreendida a lista do Time. Daí a resposta das elites: o silêncio!

Francisco Carlos Teixeira

Seguindo outros grandes meios de comunicação globais, a revista Time escolheu – na semana passada - o presidente Lula como o líder mais influente do mundo. A notícia repercutiu em todo o mundo, sendo matéria de primeira página, no jornalão El País.

Elite e preconceito

Na verdade a matéria o apontava como o homem mais influente do mundo, posto que nem só políticos fossem alinhados na larga lista composta pelo Time. Esta não é a primeira vez que Lula merece amplo destaque na imprensa mundial. Os jornais Le Monde, de Paris, e o El País, o mais importante meio de comunicação em língua espanhola (e muito atento aos temas latino-americanos) já haviam, na virada de 2009, destacado Lula como o “homem do ano”. O inédito desta feita, com a revista Time, foi fazer uma lista, incluindo aí homens de negócios, cientistas e artistas mundialmente conhecidos. Entre os quais está o brasileiro Luis Inácio da Silva, nascido pobre e humilde em Caetés, no interior de Pernambuco, em 1945, o presidente do Brasil aparece como o mais influente de todas as personalidades globais. Por si só, dado o ponto de partida da trajetória de Lula e as deficiências de formação notórias é um fato que merece toda a atenção. No Brasil a trajetória de Lula tornou-se um símbolo contra toda a forma de exclusão e um cabal desmentido aos preconceitos culturalistas que pouco se esforçam para disfarçar o preconceito social e de classe.

É extremamente interessante, inclusive para uma sociologia das elites nacionais, que o brasileiro de maior destaque no mundo hoje seja um mestiço, nordestino, de origens paupérrimas e com grande déficit de educação formal. Para todos os segmentos das elites nacionais, nostálgicas de uma Europa que as rejeita, é como uma bofetada! E assim foi compreendida a lista do Time. Daí a resposta das elites: o silêncio sepulcral!

Lula Líder Mundial

Desde 2007 a imprensa mundial, depois de colocá-lo ao lado de líderes cubanos e nicaraguenhos num pretenso “eixinho do mal”, teve que aceitar a importância da presença de Lula nas relações internacionais e reconhecer a existência de uma personalidade original, complexa e desprovida de complexos neocoloniais. Em 2008 a Newsweek, seguida pela Forbes, admitiam Lula como um personagem de alcance mundial. O conservador Financial Times declarava, em 2009, que Lula, “com charme e habilidade política” era um dos homens que haviam moldado a primeira década do século XXI. Suas ações, em prol da paz, das negociações e dos programas de combate à pobreza eram responsáveis pela melhor atenção dada, globalmente, aos pobres e desprovidos do mundo.

Mesmo no momento da invasão do Iraque, em busca das propaladas “armas de destruição em massa”, Lula havia proposto a continuidade das negociações e declarado que a guerra contra a fome era mais importante que sustentar o complexo industrial-militar norte-americano.

Em 2010, em meio a uma polêmica bastante desinformada no Brasil – quando alguns meios de comunicação nacionais ridicularizaram as propostas de negociação para a contínua crise no Oriente Médio – o jornal israelense Haaretz – um importante meio de comunicação marcado por sua independência – denominou Lula de “profeta da paz”, destacando sua insistência em buscar soluções negociadas para a paz. Enquanto isso, boa parte da mídia brasileira, fazendo eco à extrema-direita israelense, procurava diminuir o papel do Brasil na nova ordem mundial.

Lula, talvez mesmo sem saber, utilizando-se de sua habilidade política e de seu incrível sentido de negociações, repetia, nos mais graves dossiês internacionais, a máxima de Raymond Aron: a paz se negocia com inimigos. As exigências, descabidas e mal camufladas de recusa ás negociações, sempre baseadas em imposições, foram denunciadas pelo presidente brasileiro. Idéias pré-concebidas estabelecendo a necessidade de mudar regimes para se ter a paz ou usar as baionetas para garantir a democracia foram consideradas, como sempre, desculpas para novas guerras. Lula mostrou-se, em várias das mais espinhosas crises internacionais, um negociador permanente. Foi assim na crise do golpe de Estado na Venezuela em 2002 (quando ainda era candidato) e nas demais crises sul-americanas, como na Bolívia, com o Equador e como mediador em crises entre outros países.

Lula negociador

O mais surpreendente é que o reconhecimento internacional do presidente brasileiro não traz qualquer orgulho para a elite brasileira. Ao contrário. Lula foi ridicularizado por sua política no Oriente Médio. Enquanto isso o presidente de Israel, Shimon Perez ou o Grande-Rabino daquele país solicitavam o uso do livre trânsito do presidente para intervir junto ao irascível presidente do Irã. Dizia-se aqui que Lula ofendera Israel, enquanto o Haaretz o chamava de “profeta da paz” e a Knesset (o parlamento de Israel) o aplaudia em pé. No mesmo momento o Brasil assinava importantes acordos comerciais com Israel.

Ridicularizou-se ao extremo a atuação brasileira em Honduras, sem perceber a terrível porta que se abria com um golpe militar no continente. Lula teve a firmeza e a coragem, contra a opinião pública pessimamente informada, de dizer e que “... a época de se arrancar presidentes de pijama” do palácio do governo e expulsá-los do país pertencia, definitivamente, a noite dos tempos.

Honduras teve que arcar com o peso, e os prejuízos, de sustentar uma elite empedernida, que escrevera na constituição, após anos de domínio ditatorial, que as leis, o mundo e a vida não podem ser mudados. Nem mesmo através da expressa vontade do povo! E a elite brasileira preferiu ficar ao lado dos golpistas hondurenhos e aceitar um precedente tenebroso para todo o continente.

Brasil, país no mundo!

Também se ridicularizou a abertura das relações do Brasil com o conjunto do planeta. Em oito anos abriu-se mais de sessenta novas representações no exterior, tornando o Brasil um país global. Os nostálgicos do “circuito Helena Rubinstein” – relações privilegiadas com Nova York, Londres e Paris – choraram a “proletarização” de nossas relações. Com a crise econômica global – que desmentiu os credos fundamentalistas neoliberais – a expansão do Brasil pelo mundo, os novos acordos comerciais (ao lado de um mercado interno robusto) impediram o Brasil de cair de joelhos. Outros países, atrelados ao eixo norte-atlântico e aqueles que aceitaram uma “pequena Alca”, como o México, debatem-se no fundo de suas infelicidades. Lula foi ridicularizado quando falou em “marolhinha”. Em seguida o ex-poderoso e o ex-centro anti-povos chamado FMI, declarou as medidas do governo Lula como as mais acertadas no conjunto do arsenal anti-crise.

Mais uma vez silêncio das elites brasileiras!

Lula foi considerado fomentador da preguiça e da miséria ao ampliar, recriar, e expandir ações de redistribuição de renda no país. A miséria encolheu e mais de 91 milhões de brasileiros ascenderam para vivenciar novos patamares de dignidade social... A elite disse que era apoiar o vício da preguiça, ecoando, desta feita sabendo, as ofensas coloniais sobre “nativos” preguiçosos. Era a retro-alimentação do mito da “pereza ibérica”. Uma ajuda de meio salário, temporária, merece por parte da elite um bombardeio constante. A corrupção em larga escala, dez vezes mais cara e improdutiva ao país que o Bolsa Família, e da qual a elite nacional não é estranha, nunca foi alvo de tantos ataques.

A ONU acabou escolhendo o Programa Bolsa Família como símbolo mundial do resgate dos desfavorecidos. O ultra-conservador jornal britânico The Economist o considerou um modelo de ação para todos os países tocados pela pobreza e o Le Monde como ação modelar de inclusão social.

Mais uma vez a elite nacional manteve-se em silêncio!

Em suma, quando a influente revista, sem anúncios do governo brasileiro, Time escolhe Lula como o líder mais influente do mundo, a mídia brasileira “esquece” de noticiar. Nas páginas internas, tão encolhidas como um vira-lata em dia de chuva noticia-se que Lula “... está entre os 25 lideres mais influentes do mundo”. Errado! A lista colocava Lula como “o mais” influente do mundo.

Agora se espera o silêncio da elite brasileira!

Francisco Carlos Teixeira é professor Titular de História Moderna e Contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Agência Carta Maior 02/05/2010





DEBATE ABERTO


Autodeterminação iraniana

Os EUA querem mudar o Tratado de Não-Proliferação Nuclear, de 1968, com o objetivo de tolher o direito dos Estados de desenvolver a energia nuclear também para fins pacíficos, ampliando a atribuição da Agência Internacional de Energia Atômica para inspecionar instalações nucleares a qualquer hora.

Larissa Ramina

A Carta da ONU de 1945 prevê em seu artigo primeiro o respeito ao princípio da autodeterminação dos povos. Como sujeitos de direito, os povos definem-se pelos direitos e obrigações que lhes são reconhecidos pelo direito internacional.

O referido princípio está sujeito a interpretações diversas e flexíveis, sempre na esteira dos interesses estratégicos das grandes potências. É possível entendê-lo, todavia, como o princípio que garante a todo e qualquer povo o direito de se autogovernar, de eleger suas escolhas sem intervenção externa, desta forma exercendo a sua soberania.

Na atual querela que envolve o direito do Irã ao desenvolvimento da tecnologia nuclear para fins pacíficos, bem como a busca incessante dos EUA de aprovar sanções contra aquele Estado, é o direito à autodeterminação que está em questão. O Tratado de Não-Proliferação Nuclear de 1968, do qual o Irã é Estado-Parte, impõe o monopólio das armas nucleares aos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança – China, EUA, França, Reino Unido e Rússia, bem como a contrapartida do compromisso de desarmamento progressivo. Aos demais, cabe renunciar ao desenvolvimento da tecnologia nuclear para fins militares.

Claro está, portanto, que o TNP não proíbe o desenvolvimento da tecnologia nuclear, nem tampouco a comercialização de urânio enriquecido, desde que para fins pacíficos. Esse quadro motivou o governo dos EUA a convocar uma Cúpula sobre Segurança Nuclear, visando justamente alterar os termos acordados e insistindo em um Protocolo Adicional ao TNP. Esse Protocolo, por sua vez, objetiva claramente a tolher o direito dos Estados de desenvolver a energia nuclear também para fins pacíficos, ampliando a competência da Agência Internacional de Energia Atômica para inspecionar instalações nucleares in loco a qualquer tempo. Na prática, o monopólio da tecnologia nuclear estaria assegurado, tanto para fins militares quanto para fins pacíficos. E o que dizer da posição do Brasil?

A Constituição Federal de 1988 dispõe que o Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelo princípio da autodeterminação dos povos. Nesse sentido, o Brasil tem buscado uma fórmula negociada e aceitável para os dois lados, sempre combatendo os usos militares da tecnologia nuclear, mas preservando as escolhas decorrentes da autodeterminação. Nessa seara, reconhece o direito da comunidade internacional de receber garantias de que não haverá violações nem desvios da tecnologia nuclear para o uso militar, eliminando todas as ambigüidades do programa iraniano, como também reconhece o direito do Irã de manter atividades nucleares com fins pacíficos, conforme assegura o TNP.

Por outro lado, o Brasil defende a prioridade ao desarmamento das potências nucleares, compromisso formalizado no Tratado e jamais cumprido. Ao contrário da eliminação das armas nucleares, o que se constata é a evolução da eficiência dessas armas. Paradoxalmente, as mesmas potências nucleares que descumprem o TNP insistem em impor obrigações aos países não nucleares, dificultando seu desenvolvimento tecnológico para fins pacíficos, tão necessário no momento atual de combate à crise ambiental e de substituição da matriz energética suja.

É desnecessário lembrar que a possibilidade real de uma guerra nuclear está unicamente nas mãos das potências nucleares. A posição brasileira, portanto, preconiza o respeito do TNP por todos os Estados-Partes, bem como a aplicação do princípio da autodeterminação previsto tanto na Carta da ONU quanto na Constituição Federal, além de refletir o amadurecimento de um país que hoje é a nona maior economia mundial e tornou-se voz importante nas decisões mundiais. A ideologia colonialista que insiste em manter o Brasil alinhado aos interesses hegemônicos parece recuar, e o país finalmente “pensa com a própria cabeça”, como declarou o atual chanceler. Já se era em tempo.


LARISSA RAMINA é Doutora em Direito Internacional pela USP e Professora da UniBrasil e da UniCuritiba.
Agência Carta Maior - 23/05/2010



Entrevista concedida a IHU On-Line

"O momento neoliberal do capitalismo terminou"



Em entrevista para a IHU On-Line, Luiz Gonzaga Belluzzo analisa as consequências da crise na zona do Euro e projeta os rumos que o capitalismo poderá tomar a partir dessa crise. Para o enconomista, o tipo de capitalismo dominante nos últimos 30 anos está com os dias contados. "O tipo de capitalismo que vai surgir dependerá muito da luta social, da formação do imaginário popular, que, na verdade, não depende muito dos iluminados, mas da capacidade de informação e compreensão do que realmente aconteceu", defende Belluzzo.

IHU On-Line

Ao refletir sobre as consequências da crise na zona do Euro, o professor Luiz Gonzaga Belluzzo defende que “o tipo de capitalismo que vai surgir dependerá muito da luta social, da formação do imaginário popular, que, na verdade, não depende muito dos iluminados, mas da capacidade de informação e compreensão do que realmente aconteceu”. E completa: “isso vai se formar na luta política”.

Na entrevista que concedeu, por telefone, para a IHU On-Line, ele antevê que “esse capitalismo dos últimos 30 anos, sobretudo desde a desfiguração do estado do bem-estar na Europa e do avanço do projeto neoliberal, é um modelo que terminou”. Na visão de Belluzzo, “o que está em risco nesse momento - e a crise europeia mostra isso com muita clareza - é a infraestrutura do mercado, constituída pelo crédito e pela questão da riqueza monetária e financeira. Essa infraestrutura está colocando em risco o funcionamento do mercado, da oferta de trabalho, da demanda de bens etc. E a manutenção dessa relação de domínio pode jogar a sociedade numa crise muito prolongada”. No entanto, enfatiza: “teremos ainda muito chão para percorrer até chegar a uma reconfiguração das relações entre as finanças, mercados, empresas e governos”.

Luiz Gonzaga Belluzzo é graduado em Direito pela Universidade de São Paulo – USP, mestre em Economia Industrial pelo Instituto Latino-Americano de Planificação-Cepal, e doutor em Economia pela Universidade de Campinas - Unicamp. Atualmente, é professor do Instituto de Economia da Unicamp e editor da revista Carta Capital.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Que capitalismo se configura a partir da crise do Euro e das demais crises financeiras internacionais que assistimos desde 2008?

Luiz Gonzaga Belluzzo – Isso é algo que não dá para determinar, mas podemos fazer conjecturas. O que está claro é que o tipo de capitalismo que vai surgir dependerá muito da luta social, da formação do imaginário popular, que, na verdade, não depende muito dos iluminados, mas da capacidade de informação e compreensão do que realmente aconteceu. Isso vai se formar na luta política. Vejamos a reação dos gregos e a reação dos sindicatos na Espanha. Teremos que repensar o papel do povo e como ele se reorganiza para elaborar coletivamente essa proposta. O que posso antever é que esse capitalismo dos últimos 30 anos, sobretudo desde a desfiguração do estado do bem-estar na Europa e do avanço do projeto neoliberal, é um modelo que terminou. Talvez as forças que o sustentam vão tentar mantê-lo ainda na UTI, mas ele não vai conseguir sobreviver, pois não tem viabilidade, não há compatibilidade com as promessas de vida boa e decente para todos os cidadãos, portanto, de manutenção e garantia dos direitos de cidadania, que foram conquistados a ferro e fogo nos anos 20, 30 e 40, depois de duas guerras mundiais. Isso não foi dado de graça, mas instituído e universalizado para os países desenvolvidos nos anos 50 e 60. Esse estilo de sociedade, de vida e de convivência foi progressivamente sendo deformado pelo avanço do projeto neoliberal.

Esse momento da vida do capitalismo terminou. O que vai ficar no lugar é muito difícil de projetar, mas, certamente, teremos mudanças importantes. Mesmo os governos mais conservadores veem, no predomínio do capital financeiro, um dos fatores dos desequilíbrios. Isso está claro. Provavelmente, a finança, como uma instância coletiva da vida econômica (porque é a gestão de massas de recursos que pertencem a muitos, envolve a gestão do crédito, que, na verdade, é uma incumbência privada de um bem público), passará a ser fortemente regulada pelo Estado, se é que não vai ocorrer uma crescente estatização dessas relações para que o próprio mercado possa sobreviver.

O que está em risco nesse momento - e a crise europeia mostra isso com muita clareza - é a infraestrutura do mercado, constituída pelo crédito e pela questão da riqueza monetária e financeira. Essa infraestrutura está colocando em risco o funcionamento do mercado, da oferta de trabalho, da demanda de bens etc. E a manutenção dessa relação de domínio pode jogar a sociedade numa crise muito prolongada.

IHU On-Line - Quais as consequências sociais da redução do estado de bem-estar social? Qual sua análise de uma possível revolta social?

Luiz Gonzaga Belluzzo – Essa é uma questão central, assim como a emergência das massas, no final do século XIX e começo do século XX, foi uma questão colocada para o capitalismo e que só se resolveu depois de 30, 40 anos de crises e conflitos. A grande panaceia, que foi recomendada pelos liberais - e em seguida por muitos outros -, da flexibilização dos mercados de trabalho, na verdade, não conseguiu abolir todas as conquistas do estado de bem-estar, senão estaríamos hoje numa situação de conflito aberto. No entanto, o nível de proteção caiu muito.

O desemprego nos países que executaram essas políticas, desde países do leste europeu, recém saídos do socialismo real, até os países que conseguiram construir estruturas de produção muito avançadas, desenvolvem o desmonte ou a desfiguração social, o que levou a um aumento brutal das taxas de desemprego. Estamos diante de um novo acordo social que não vai ser feito sem vítimas. Mas isso não será dado pelos poderosos de graça. É só observar o que aconteceu no mercado de trabalho americano. Ficou claro que os empregos criados foram de baixa qualidade e baixa remuneração, o que explica a queda do rendimento médio naquele país. A queda foi impressionante para a maioria da população, e foi substituída pela fúria do endividamento, o que tornou a economia “imanejável” num determinado momento.

Não sei como isso será encaminhado, porque noto, no governo americano e mesmo nos governos europeus, uma certa hesitação e um comprometimento muito grande das lideranças com a dominância dos mercados financeiros. Isso será muito solapado pelo inconformismo popular em função dessas relações. Mas teremos ainda muito chão para percorrer até chegar a uma reconfiguração das relações entre as finanças, mercados, empresas e governos.

IHU On-Line - Pensando em reformar o antigo modelo econômico e social que rege nossas sociedades, o que faria parte de um híbrido modelo novo? É possível, nesse novo modelo, contemplar a questão ecológica?

Luiz Gonzaga Belluzzo – A questão ecológica é central hoje, bem como o estilo de desenvolvimento. Não podemos nos tornar antinômicos ao desenvolvimento econômico, à melhoria na vida das pessoas, por conta das conquistas que já foram realizadas no âmbito tecnológico e produtivo. O problema é que é preciso tornar cada vez mais disponíveis para a maioria da população, e em condições de sobrevivência humana adequada, esses benefícios que foram criados pelo progresso tecnológico. Então, é preciso relembrar o que muitos autores já disseram; e vou relembrar especialmente Keynes, nas Perspectivas econômicas para os nossos netos, que antecipou corretamente que teríamos uma abundância tanto na produção de alimentos como na produção de outros bens materiais.

Mas essa abundância precisaria ser muito bem conduzida para que os homens aumentassem o seu tempo livre, com a cultura, entretenimento, esporte, para que pudessem viver uma vida mais completa. Isso é o que está inscrito nas consignas da Revolução Francesa e do Iluminismo: que os homens tenham uma vida mais completa, no sentido de mais humana, e, como ser histórico, desenvolvam as potencialidades e inventem outras além daquelas que já possuem. Essa que deve ser a regra. Isso não pode ser deixado à espontaneidade dos mercados, assim como o homem também sabe que não pode deixar certos processos entregues à fúria da natureza. E, ao mesmo tempo em que não se deve provocar e machucar a natureza, também não podemos permitir que ela lance seus processos cegos em cima da vida humana. Isso é muito parecido com o que aconteceu com o mercado financeiro.

O que se disse, falou e escreveu sobre a racionalidade, sobre os mercados perfeitos, entregou o mundo a uma insensibilidade econômica, financeira e social que não pode mais ser tolerada. Isso só pode ser feito com uma disciplina em cima da movimentação e da negociação dos instrumentos que representam a riqueza abstrata. Mas as pessoas não estão interessadas nisso. Elas estão interessadas, no fundo, em viver decentemente, com uma diversidade de atividades, de estilos de vida e de instituições que possam satisfazer o desenvolvimento da chamada natureza humana. Aliás, o homem não tem natureza, ele é um ser histórico que desenvolve suas potencialidades a partir daquilo que consegue construir.

IHU On-Line - A crise abre que caminhos para os países emergentes? É possível, a partir desta perspectiva, vislumbrar uma mudança nos rumos da condução do capitalismo?

Luiz Gonzaga Belluzzo – Esse é um fenômeno que estamos observando agora. Objetivamente, sem fazer nenhuma consideração de ordem política ou subjetiva, o Brasil, a China, a Rússia e a Índia já têm uma presença muito maior no comércio, na estrutura da produção mundial e politicamente estão ganhando espaço. Em minha opinião, estão sabendo conduzir isso com muita sabedoria, como mostra a recente intervenção do Brasil no caso do Irã. E isso contra toda a evidência de que os Estados Unidos não estão dispostos a aceitar qualquer acordo, porque interessa manter o demônio vivo; é preciso ter algum demônio para que o poder absoluto se afirme.

E o Brasil deu um passo importante, com muita cautela e habilidade para se intrometer entre esse impulso ao poder absoluto e o desejo de sobrevivência dos mais frágeis. Não se trata de justificar a atitude do Irã, mas vamos combinar que os Estados Unidos não querem, não desejam esse acordo, porque ele retira muitas das razões que movem a política americana. Do ponto de vista econômico e político, os países emergentes têm um papel muito importante de mediação e têm condições de fazer isso, não só na órbita das negociações econômicas, na reforma financeira internacional, na reforma monetária, mas também no que diz respeito à negociação política.

IHU On-Line - O modelo chinês indica novos caminhos para a economia e o capitalismo? O Brasil deve seguir esse modelo?

Luiz Gonzaga Belluzzo - O modelo chinês tem também a sua determinação histórica. Ele surge no momento em que a economia mundial estava se movendo, sobretudo por conta da expansão da grande empresa americana, em direção à chamada globalização. O modelo chinês é fruto de uma percepção da reconfiguração geoeconômica que estava acontecendo no mundo, e a China foi uma das maiores beneficiárias disso. O modelo chinês combinou o máximo de controle com o máximo de concorrência e construiu, na China e na Ásia, um bloco manufatureiro muito importante. Acontece que a crise vai exigir que a China também altere as suas formas de crescimento. Ela dependia muito do consumidor americano, que hoje está comprometido com o alto grau de endividamento. E não é só isso. Não é possível reproduzir o modelo americano, esse que prevaleceu nos últimos anos, com endividamento alto e queda dos rendimentos reais. Isso tinha como contrapartida o crescimento industrial da China, a produção com baixo custo, com grande eficiência e a graduação tecnológica muito rápida. A China foi importante para o Brasil porque, enquanto demandante de commodities, nos proporcionou um período de acumulação de reservas e de ganhos fiscais importantes. O Brasil conseguiu se equilibrar por conta da disponibilidade de recursos naturais. Mas acho que a China terá que reconfigurar seu estilo de desenvolvimento e se apoiar menos nas exportações e mais na demanda interna. Mas isso vai depender muito da capacidade e da disposição dos americanos em abrirem mão do controle exclusivo da moeda reserva. Isso tem uma importância crucial, porque diz respeito a como as relações de débito e crédito são denominadas; como o faturamento das exportações e importações é denominado; como as moedas nacionais se relacionam com a moeda reserva. Tudo isso está em questão, e não sei em quanto tempo vai se resolver. Talvez demore muito e, por isso, viveremos um tempo de confiança, descontinuidades e conflitos. No entanto, penso que é impossível não se levar em conta que essa constelação de países, especialmente a China, tem um papel crucial a desempenhar no cenário internacional.

IHU On-Line - Qual a importância da democracia nesse cenário mundial em que os eleitores e os governos nacionais podem muito pouco?

Luiz Gonzaga Belluzzo – Antes eu falava da luta social, e agora retomo o assunto. A democracia hoje tem tido um significado bastante limitado, quase que restrito ao momento das eleições. A participação popular nas decisões cruciais tem sido muito limitada, por conta do predomínio desta instância de controle e domínio financeiro. Vamos ver como os regimes e as sociedades, sobretudo a sociedade americana, responde a esse desafio. No caso dos Estados Unidos, estamos observando um crescimento impressionante dos movimentos conservadores. Isso tende a crescer na Europa também por conta das dificuldades de emprego e dos conflitos com os imigrantes. Sempre, nesses momentos, a democracia verdadeira fica em questão e, ao mesmo tempo em que temos o surgimento de movimentos sociais progressistas mais consistentes, temos o crescimento das forças conservadoras de direita antidemocráticas. O que está em questão é a chamada radicalização da democracia.

IHU On-Line - Como a questão do desemprego se enquadra neste cenário de crise do Euro?

Luiz Gonzaga Belluzzo – Essa é uma questão central, que não será resolvida por uma retomada do desenvolvimento convencional, tanto que as taxas de desemprego continuam muito altas, apesar, por exemplo, da economia americana estar se recuperando ligeiramente. As atividades tradicionais do mercado não vão gerar muito emprego. É preciso que os governos se empenhem nas políticas de emprego, em criar formas novas, relacionadas com a cultura, com o entretenimento, com o esporte. É preciso inventar o emprego. E, por isso mesmo, o governo deve aumentar o controle sobre a decisão de investir. É preciso socializar isso, senão teremos problemas de desajustes sociais sérios.

sábado, 15 de maio de 2010

Quem paga a conta das crises econômicas causadas pelo capitalismo financeiro desenfreado?

Agência Carta Maior - 13/05/2010

Governos e trabalhadores europeus pagam custo de orgia do setor financeiro

O governo espanhol anunciou a redução de 5% dos salários dos funcionários públicos, o congelamento de salários e o corte de investimentos públicos para enfrentar a crise econômica que afeta o país. Na Grécia, sindicatos convocam quinta greve geral contra corte de pensões anunciado pelo governo. Para analista do Financial Times, origem da crise da dívida dos governos é a prodigalidade de amplos segmentos do setor privado, e do setor financeiro, em particular. “Os mercados financeiros financiaram a orgia e, agora, em pânico, estão se recusando a financiar a faxina resultante”, diz Martin Wolf.

Marco Aurélio Weissheimer

O primeiro ministro José Luis Rodríguez Zapatero, anunciou, dia 12 de maio, no Parlamento espanhol, a redução em 5% dos salários dos funcionários públicos em 2010, o congelamento de salários e um corte de 600 milhões de euros em investimentos públicos em 2010. Também fazem parte do pacote de medidas para reduzir os gastos públicos o congelamento das pensões (de aposentadoria) e a suspensão, a partir de 2011, do chamado “cheque bebê”, que, desde 2007, concedia 2.500 euros para cada criança nascida na Espanha. Zapatero pediu ao povo espanhol “um grande esforço de austeridade” para enfrentar a crise econômica que afeta o país. As centrais sindicais espanholas protestaram contra as medidas e anunciaram grandes mobilizações de rua contra elas.

Zapatero foi pressionado pela União Européia e pelos Estados Unidos a tomar essas medidas para defender a “estabilidade do euro”. No dia 12 de maio, o presidente dos EUA, Barack Obama, ligou para Zapatero para “conversar” sobre as medidas. Segundo o porta-voz da Casa Branca, Robert Gibbs, a conversa tratou “da situação da Espanha e da importância, no contexto europeu, dos esforços para fortalecer a economia européia e devolver a confiança aos mercados.” Gibb revelou ainda que Obama conversou também com a chanceler alemã, Ângela Merkel e com o presidente francês Nicolas Sarkozy para tratar do impacto da crise na União Européia. Os EUA, disse o porta-voz, estão preocupados com a situação das finanças públicas da Espanha, dado o peso do país na zona do Euro.

Com esse conjunto de medidas, o governo espanhol pretende economizar cerca de 15 bilhões de euros até 2011. Em 2009, o déficit público da Espanha chegou a 11,2% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, após três anos seguidos de superávit (no período pré-crise). Agora, o governo espanhol assumiu o compromisso de reduzir esse índice para 3%, atendendo a uma exigência da União Européia. Em janeiro, Zapatero já havia anunciado um plano que previa a redução de 10% na contratação de funcionários públicos, aumento de impostos e a redução do orçamento para 2010. Com o agravamento da crise na Grécia e em outros países da Europa, as medidas foram consideradas insuficientes pelas autoridades da UE. O aprofundamento do arrocho fiscal deve ter um alto custo político para Zapatero.

Greve geral na Grécia

Sindicatos e centrais e sindicais já anteciparam qual deve ser a reação diante do plano de arrocho salarial e fiscal. O secretário geral da central sindical União Geral dos Trabalhadores (UGT), Cándido Méndez, disse que as medidas afetarão duramente milhares de famílias e anunciou a convocação de grandes mobilizações de protesto nas próximas semanas. Na mesma linha, Ignácio Férnandez Toxo, secretário geral da central sindical Comissiones Obreras (CCOO), classificou o plano do governo Zapatero como “injusto e anti-econômico” e antecipou protestos massivos nas ruas da Espanha. Já a Comissão Européia e o Banco Santander fizeram praticamente o mesmo comentário a respeito das medidas anunciadas pelo governo espanhol: “vão na boa direção”.

Se os sindicatos de trabalhadores espanhóis começam a cogitar a possibilidade de organizar uma greve geral, na Grécia, uma nova paralisação nacional foi convocada, em protesto contra medidas similares adotados pelo governo. Será a quinta greve geral desde o início do ano. A União dos Empregados Civis (Adedy), central sindical dos trabalhadores do setor público, e a Confederação dos Trabalhadores (GSEE), central sindical do setor privado, convocaram a greve geral como resposta às medidas governamentais de cortes nas pensões. “A nossa reação é imediata, respondemos com uma greve geral de 24 horas”, anunciou o presidente da Adedy, Spiros Papaspíros. A nova greve geral foi convocada para o dia 20 de maio.

Origem da crise está no setor privado

Os pacotes de arrocho anunciados por Grécia e Espanha repetem uma história bem conhecida: a maioria da população é chamada a pagar por erros cometidos por setores privados. Quem confirma isso é Martin Wolf, editor e principal analista econômico do Financial Times. No artigo “Governos aumentam riscos” (Valor Econômico, 12/05/2010), Wolf destaca as conclusões de Paul De Grauwe, da Universidade Leuven, em um texto escrito para o Centre for European Policy Studies: “a origem da crise da dívida dos governos é a prodigalidade de amplos segmentos do setor privado, e do setor financeiro, em particular. Os mercados financeiros financiaram a orgia e, agora, em pânico, estão se recusando a financiar a faxina resultante”.

Agora os governos se empenham em lidar com as seqüelas, escreve Martin Wolf. “Ao insistir em afirmar que não haverá calotes, porém, estão protegendo o setor financeiro da sua estupidez. Em vez disso, espera-se que os povos dos países endividados paguem. Será que esse trato comprovará ser aceitável, na ausência de um retorno ao crescimento nos países afetados? Dificilmente”, conclui o analista. Para ele, a orgia do setor financeiro também traz como conseqüência a necessidade de uma profunda reforma na zona do euro. Mas é impossível pensar em um retorno às moedas nacionais, adverte, pois isso provocaria a implosão do sistema financeiro. O fato é que a Europa ingressou numa zona de forte turbulência e, para variar, quem está pagando a conta é o setor público e os trabalhadores.

Novamente: política e economia

BLOG DO EMIR - 01/05/2010

A disputa pelo Estado

Quando Fernando Lugo foi eleito presidente do Paraguai, The Economist disse, em editorial, que aquele seria o último presidente de esquerda a ser eleito na América Latina. A chegada da crise mudaria a pauta, que estaria centrada em temas propícios à recuperação da direita – ajuste fiscal e violência.

Qualquer candidato que pregue diminuição de impostos e mão dura na segurança pública sai na frente nas pesquisas. A primeira proposta apela para a desqualificação do Estado, que arrecadaria em excesso e não daria retorno em serviços à massa da população. Não importa que tipo de dessolidarização significaria pagar menos impostos, recorta-se a relação apenas com uma entidade abstrata – “Estado” -, sem levar em conta que a grande maioria dos gastos estatais são para contratar pessoal que atende a massa – em geral pobre – da população, como enfermeiras, professores, assistentes sociais. O inimigo não é a injustiça, a miséria, a falta de direitos para todos, mas se concentraria no Estado – vítima privilegiada do neoliberalismo.

O problema seria mais grave porque, mais recentemente, a mesmo The Economist afirmou que o Brasil seria um caso perdido para o liberalismo, porque, segundo eles, o voto sendo obrigatório e os pobres gostando do Estado – que é quem concede direitos -, os liberais nunca conseguiriam triunfar.

Acontece que, quem garante direitos, é o Estado. Quem coordena planos de casas populares, é o Estado. Quem desenvolve planos de contenção da maior crise econômica internacional, é o Estado. Quem pode redistribuir renda, mediante programas sociais, contrapondo-se em parte às desigualdades produzidas pelo mercado, é o Estado.

É, ou pode ser o Estado, na dependência de quem o dirige, da concepção que preside sua atuação. Na crise de 1999, o governo FHC subiu a taxa de juros a 48%, isto é, levou o país a uma profunda e prolongada crise, que teve como conseqüência a assinatura por aquele governo de mais uma Carta de Intenções com o FMI e a reiteração das medidas anti-sociais que essa carta contém.

Olhando para a recente crise mundial– consensualmente considerada a mais grave crise econômica desde 1929, terminando com a equivocada versão de que o governo Lula se dava bem porque contava com um entorno internacional favorável. -, podemos imaginar como estaríamos se o Brasil estivesse sendo governada por Alckmin, que tinha proposto o retorno ao Estado mínimo, a uma reinserção internacional como a propõe agora Serra, de ruptura das alianças com o Sul do mundo e vínculos carnais com os EUA. Teríamos uma crise como a mexicana.

O papel do Estado foi o diferencial entre a atuação do Brasil na crise de 1999 e na crise recente. Naquela, a ação do governo foi de multiplicar a crise. Nesta, o governo acionou todos os mecanismos anti-cíclicos para diminuir os efeitos da crise. Naquela crise, o Brasil foi jogado numa crise profunda e prolongada. Nesta, saímos da crise de forma relativamente rápida. Naquela, o povo pagou o preço mais caro da crise, elevando-se ainda mais o desemprego, o trabalho precário, a taxa de juros. Nesta, buscou-se resguardar o nível de emprego, de salários, as políticas sociais foram mantidas e até estendidas.

Daí que a luta pelo controle do Estado se torna tema e objetivo central da campanha eleitoral deste ano. Para que volte a ser instrumento dócil da acumulação privada – como foi nos processos de privatização levado a cabo pelos tucanos, unanimemente, sem voz dissonantes no seu ninho – ou para que seja o grande promotor do desenvolvimento com distribuição de renda, da soberania nacional e do combate à desigualdade e à injustiça social.


Postado por Emir Sader às 04:58

A prostituição da mídia ou a mídia prostituta

BLOG DO EMIR - 14/05/2010

A prostituição n(d)a imprensa


Ocupa quase três páginas diárias no jornal, sob o título Relax, com mais de 200 anúncios de prostitutas se oferecendo, das formas mais diversas. Oferecem-se, desde uma “paraguaia com dificuldades econômicas” até brasileiras que anunciam seus dotes, passando por uma “agência de contactos (sic) necessita senhoritas”, explicitando: “Experimente conosco, notará a diferença. Inclui alojamento.”

A coluna é do jornal El País, o de maior circulação na Espanha, de orientação socialista neoliberal. O negócio do sexo e sua publicidade rendem 50 milhões de euros por dia, 18 bilhões de euros por ano. 90% das prostitutas envolvidas são estrangeiras, metade delas são sulamericanas, 13% menores de idade. 300 mil mulheres são exploradas sexualmente na Espanha. 40 milhões de euros são arrecadados por jornais como El Pais

O governo espanhol, através do seu Ministério da Igualdade, dirigido por uma mulher, Bibiana Aído, tenta, há três anos, encontrar as formas de proibir esse tipo de publicidade, sem sucesso. “...enquanto continuem existindo anúncios de contatos na imprensa séria se estaria contribuindo para a normalização da exploração sexual”, razão pela qual deveriam ser eliminadas, afirma ela, que considera que os anúncios de prostituição “são uma vergonha” e “atentam contra a dignidade da mulher”.

Mas o Ministério que ela dirige busca formas legais que permitam atuar contra essa cínica atividade comercial da imprensa considerada “séria”, que resiste, alegando a “liberdade de expressão” – neste caso, significativamente vinculada, de forma direta à prostituição. Apelou-se para a “auto regulação”, tão a gosto os dos donos das empresas de comunicação, tanto lá, como aqui. Dois jornais – Público, de esquerda, e La Razón, nacionalista – decidiram que não aceitariam esse tipo de publicidade, mas os outros jornais continuaram a publicar e auferir os correspondentes milhões de euros, que lhes ajudam a enfrentar a crise financeira que afeta a todas as empresas de comunicação. Eles demandam “ compensação financeira” – como ocorreu na França, para deixar de promover a prostituição, incluído a infantil, revelando o tipo de caráter, de moral que orienta aos donos da mídia privada. Justamente quando o governo promove um drástico corte de recursos sociais, vêm os empresários privados da mídia pedir essa “compensação”. Até nisso e nessa hora, querem faturar o deles.

Às vezes imprensa privada e prostituição tem muito mais em comum do que simplesmente a mercantilização da informação e a venda dos espaços para as oligarquias políticas tradicionais.


Postado por Emir Sader às 14:43

A mídia no Brasil

Agência Carta Maior - 15/05/2010

DEBATE ABERTO


A mágica da TV

O Brasil é um dos poucos grandes países do mundo cuja TV não apresenta sequer um programa de debates políticos em suas redes nacionais. Continuamos seguindo o modelo descrito por Bourdieu: uma TV que mostra o irrelevante para esconder o que interessa.

Laurindo Lalo Leal Filho

A meu ver, quem melhor definiu a manipulação televisiva foi o sociólogo francês Pierre Bourdieu. Ele a comparou ao mágico que, no palco, chama atenção para uma de suas mãos agitando um lenço enquanto com a outra, disfarçadamente, tira as moedas (ou a pomba) da manga. A TV, para ele, faz a mesma coisa. Destaca o supérfluo para esconder o essencial. Isso é todo dia. Mas, no Brasil, quando tem seleção de futebol no meio chega as raias do insuportável.

Na última semana, a entrevista do técnico Dunga contando as razões que o levaram a chamar este ou aquele jogador para a seleção ocupou horas e horas das diversas programações. Sem falar nos comentários abalizados dos diversos especialistas. Não que num país como nosso a convocação do escrete não seja importante. Mas tudo deveria ter um certo limite. Afinal quanta coisa muito mais relevante para sociedade não poderia estar sendo mostrada naqueles horários, sem que o público deixasse de saber quais os craques que irão representar o Brasil na África do Sul. Dou um exemplo.

Manhã de quarta-feira, 12 de maio. Na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, milhares de trabalhadores rurais vindos de todos os cantos do país se reúnem para dar início à 16a. edição do Grito da Terra Brasil, organizado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). Em seguida fazem um protesto contra a bancada ruralista em frente ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e encaminham uma pauta com mais de duzentas reivindicações ao presidente Lula. À tarde se concentram em frente ao Ministério do Trabalho e depois vão ao Congresso Nacional, onde encerram a manifestação.

Na pauta dos trabalhadores rurais está o combate ao trabalho escravo e a revisão do Código Florestal que permite o uso do FGTS para compra de imóveis rurais. À noite o Jornal Nacional, o único informativo da maioria da população brasileira, dedicou exatos 15 segundos ao assunto. O seu apresentador disse o seguinte: “Trabalhadores rurais foram hoje a Brasília para a Manifestação do Grito da Terra. Na Esplanada dos Ministérios, eles pediram mais recursos para a agricultura familiar e a reforma agrária. Foram recebidos pelo presidente Lula, que prometeu mais dinheiro para o setor”. E só. Nada sobre os ruralistas, o trabalho escravo e o Código Florestal.

Um dia antes, no mesmo jornal, o técnico Dunga sentou-se na bancada, ao lado dos apresentadores, e discorreu sobre suas decisões por nada menos do que seis minutos e 54 segundos. E para os dias seguintes eram prometidas reportagens especiais com cada um dos 23 jogadores por ele convocados. O supérfluo – a mão que balança o lenço – segue firme no ar, com o futebol recebendo generosos espaços para longas entrevistas, amplas discussões e análises aprofundadas, acompanhadas de replays, tira-teimas, gráficos e alentadas estatísticas. Você já imaginou o que seria deste país se todo esse empenho fosse dedicado também ao essencial? Se o Grito da Terra Brasil servisse de gancho (como se diz no jargão jornalístico) para análises da questão fundiária com o mesmo tempo e a mesma tecnologia destinadas ao futebol?

O Brasil é um dos poucos grandes países do mundo (em tamanho e importância política) cuja televisão não apresenta sequer um programa de debates políticos em suas redes nacionais. Há algumas entrevistas, poucas e mal ajambradas do tipo Roda Viva e Canal Livre. Debate que é bom, nada. Continuamos seguindo direitinho o modelo descrito por Bourdieu: uma televisão que esconde, mostrando. Mostra o irrelevante para esconder o que interessa.

Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial).

A economia mundial em perspectiva - China e Estados Unidos

Matéria apresentada pelo jornal folha de São Paulo no seu caderno Dinheiro

São Paulo, sábado, 01 de maio de 2010


CESAR BENJAMIN

Anacronismo americano

O DEBATE sobre a política cambial chinesa se intensificou desde que 130 congressistas solicitaram que o governo americano declare, em relatório oficial, que a China manipula o valor da sua moeda, produzindo uma concorrência desleal que prejudica empresas e elimina empregos nos EUA. Se a solicitação for aceita, estará aberto o caminho legal para medidas de retaliação que podem gerar mais incerteza econômica em um mundo já bastante estressado. Estão em curso negociações delicadas.

A mania dos EUA de produzir relatórios unilaterais que colocam outros países no banco dos réus já criou grande número de situações ridículas, que agora podem se repetir. Os americanos deveriam ser os últimos a tocar no assunto de manipulação cambial, pois são os únicos que arbitram praticamente sem restrições o valor da sua moeda, emitida a rodo para financiar deficit que têm enorme impacto sobre todo o sistema internacional.

Os demais países têm reagido de diferentes maneiras à hegemonia desse dólar errante. Alguns, como o Brasil, liberaram a movimentação de capitais e entregaram a um mercado intrinsecamente especulativo a tarefa de fixar o valor de suas moedas, mesmo à custa de remessas crescentes e de danos aos sistemas produtivos locais. Outros, como a China, promovem uma abertura cautelosa e ordenada: sua moeda acompanha a trajetória da moeda de referência internacional, sem experimentar flutuações bruscas e sem gerar um desalinhamento cambial que comprometa o crescimento do país.

Não há movimentações especulativas de riqueza financeira na economia chinesa. E os recursos em moeda estrangeira, provenientes de exportações e de investimentos, são obrigatoriamente vendidos ao governo, que os paga em yuan, a uma taxa fixada pelo banco central. Por isso o yuan não se aprecia, gerando protestos.

A contrapartida chinesa ao sistema internacional é considerável. O país é, também, um grande importador. Suas reservas, atualmente de US$ 2,4 trilhões, são investidas, em grande parte, em títulos americanos de longo prazo, garantindo que os EUA se financiem com baixas taxas de juros. Mais de 70% das suas exportações são produzidas por companhias estrangeiras ou joint ventures.

E, por causa da integração das cadeias produtivas, a produção "made in China" movimenta todas as economias do Leste da Ásia, incluindo aliados importantes dos EUA, como Japão, Coreia do Sul, Cingapura e até mesmo Taiwan.

Estamos diante de uma disputa de novo tipo pela hegemonia, diferente dos confrontos diretos do século 20. A competição convive com uma intricada teia de interesses complementares, que ainda predominam.

Os EUA não podem ameaçar todo esse arranjo, do qual também dependem. Parecem ter dificuldades em se reposicionar. Os políticos insistem em explicações fáceis para o eleitorado, enquanto o governo mantém em vigor medidas anacrônicas. Adota, por exemplo, uma política comercial altamente discriminatória, que proíbe a venda de produtos de alta tecnologia ao país asiático.

Ao decidirem exportar para a China apenas produtos industriais comuns e bens agrícolas, os EUA abrem mão da sua maior vantagem e se condenam a ter grandes deficit.

A avareza da política comercial americana, além de anacrônica, é cada vez mais inócua: neste ano, a China ultrapassará os EUA na formação de doutores em ciências e nas engenharias. Parece que o pensamento chinês se adapta melhor a esse jogo complexo em que o tempo é um fator decisivo.

A armadilha do Euro e seu aprisionamento econômico e político

Matéria apresentada pelo jornal Folha de São Paulo no seu caderno Dinheiro

São Paulo, 01 de maio de 2010

ARTIGO

A armadilha do euro

PAUL KRUGMAN

DO "NEW YORK TIMES"

Há não muito tempo, economistas europeus costumavam zombar dos colegas americanos por terem questionado a sabedoria do avanço europeu em direção à união monetária. "Em geral", declarava artigo publicado em janeiro, "o euro até o momento se saiu muito melhor do que muitos economistas dos EUA previram."

Ops. O artigo resumia a opinião dos observadores céticos quanto ao euro como: "Não pode acontecer, é uma má ideia, e não vai perdurar". Bem, aconteceu, mas no momento parece ter sido uma má ideia, e pelos motivos que os céticos mencionavam. E, quanto a durar ou não, essa questão parece subitamente estar em aberto.

Para compreender o fiasco do euro -e as lições que ele pode nos ensinar-, é preciso ir além das manchetes. No momento, todo mundo está concentrado na dívida pública, o que faz a história parecer envolver uma simples incapacidade de governos para controlar seus gastos. Mas isso é só parte da história no caso da Grécia, porção ainda menor no caso de Portugal e absolutamente irrelevante no caso da Espanha.

O fato é que três anos atrás nenhum dos países que agora estão em crise ou perto disso parecia estar enfrentando sérios problemas fiscais. Até na Grécia, o deficit orçamentário em 2007, como proporção do PIB, não era superior aos norte-americanos na metade dos anos 1980, enquanto a Espanha registrava superavit. E todos esses países estavam atraindo pesados fluxos de capital estrangeiro, em larga medida porque os mercados acreditavam que participar da zona do euro tornava os títulos gregos, portugueses e espanhóis investimentos seguros.

Então veio a crise. Os fluxos de capital se esgotaram, a arrecadação caiu e o deficit disparou; e a integração ao euro, que havia encorajado os mercados a amar demais, mas com certa insensatez, os países em crise, transformou-se em armadilha.

Qual é a natureza dessa armadilha? Durante os anos do dinheiro fácil, os salários e os preços nos países em crise subiram muito mais rápido que no restante da Europa. Agora que o dinheiro deixou de entrar, os países precisam retomar o controle sobre os custos.

Mas isso é mais difícil de fazer agora do que era o caso na época em que cada país europeu tinha sua moeda. Os custos podiam ser controlados via ajustes no câmbio -ou seja, a Grécia podia reduzir seus salários em relação aos alemães por meio de simples redução no valor da dracma ante o do marco. Agora que Grécia e Alemanha usam a mesma moeda, a única maneira de reduzir os custos relativos gregos é via uma combinação entre inflação na Alemanha e deflação na Grécia. E, já que a Alemanha não aceitará inflação, só resta a deflação.

Processo doloroso

O problema é que a deflação -a queda nos preços e salários- é sempre, e em qualquer parte, um processo profundamente doloroso. Ela invariavelmente envolve uma prolongada queda na atividade econômica e desemprego elevado. Também agrava os problemas de dívida, tanto privada quanto pública, porque a renda cai e a carga de dívidas não.

Daí a crise. Os problemas fiscais da Grécia seriam sérios, mas administráveis se as perspectivas da economia grega nos próximos anos parecessem mesmo que modestamente favoráveis. Mas não é o caso.

Assim, o que acontecerá com o euro? Até recentemente, a maioria dos analistas, e eu também, considerava que abandonar o euro seria basicamente impossível, pois qualquer governo que desse a mais remota indicação de estar contemplando essa possibilidade estaria convidando a uma corrida catastrófica contra os bancos do país. Mas, se os países em crise se virem forçados a decretar moratória, provavelmente enfrentarão severas corridas aos seus bancos de qualquer forma, o que os forçaria a adotar medidas de emergência, tais como restrições temporárias aos saques bancários. Isso abriria a porta para o abandono do euro.


Reação em cadeia

O euro está em perigo, portanto? Em resumo, sim. Caso os líderes europeus não comecem a agir com mais vigor, oferecendo à Grécia assistência suficiente para evitar o pior, uma reação em cadeia iniciada por uma moratória grega e capaz de causar estragos maiores parece bastante possível.

Enquanto isso, que lições isso ensina ao resto de nós?

A linha dura quanto ao deficit orçamentário já está tentando se apropriar da crise europeia, usando-a como lição prática sobre os riscos dos deficit. O que a crise realmente mostra, porém, é o perigo de se colocar em uma camisa de força econômica. Ao aderir ao euro, Grécia, Portugal e Espanha se privaram da capacidade de fazer coisas ruins, tais como imprimir dinheiro demais, mas também negaram a capacidade de responder flexivelmente aos fatos.

E, quando uma crise estoura, os governos precisam ter capacidade para agir. É isso que os arquitetos do euro esqueceram -e que o resto de nós deveria lembrar.



Tradução de PAULO MIGLIACCI

A cantata política de Walmor Marcellino

Um versinho do Marcellino, sem eco na época:


CANTATA POLÍTICA

Walmor Marcellino (6/4/2007)


Herma de Cury postada à entrada
avisa ao Paraná quem está legislando;
os servidores se benzem à portada,
curvam cabeça a quem vão pleiteando.


Numa sociedade de Hermas a Curys
a esfera pública é indefectível privada,
se confundem tanto ao modo de júris
intrigados, onde a fraude é sancionada.


Em cada dez leis sendo uma premiada
com as eivas de privilégio e cartório;
a sociedade civil se curva assustada
alguns tomaram do Estado seu espólio.


A Ordem, de cartórios em precatório
mostra o poder que por aqui suserana
e quem demanda um direito regulatório
leve no contencioso ajuntada boa fama.


(Cole ao lado da cama e recite toda manhã:

“Queremos lei que é nosso rei; queremos rei
que é nosso pai”; depois faça objurgatórios.)

Humildes lições de economia: política e economia andam juntas no Brasil e no mundo

A economia brasileira no governo Lula continua seguindo a cartilha do neoliberalismo da era dos Fernandos no que tange a política monetária excessivamente controlada pelo Banco Central. A política macroeconômica capitaneada pela política monetária decidida pelo Comitê de Política Monetária - COPOM - tem a capacidade de interferir praticamente em todas as políticas públicas do governo federal pelo fato de exercer o monopólio da atividade econômica agregada. A chave do cofre está nas mãos do Banco Central - BACEN - e a decisão de concentrar renda e riqueza na direção dos potentados detentores do capital nacional e estrangeiro passa pelos interesses privados, mesmo no caso de um BACEN constitucionalmente dependente das decisõe governamentais e sua capacidade de implementar políticas públicas.
Se o mercado (essa entidade transcedental para os sofisticados ou metafísica para os filósofos) decide que a melhor opção será a de aumentar as taxas de juros para controlar a inflação o governo cede a pressão, já que na sua equipe de governo existem porta vozes desse mesmo mercado, haja visto, o presidente do BACEN - Henrique Meirelles (ex-presidente mundial do Banco de Boston). Os interesses do mercado, a cooptação ideológica e a servidão acadêmica dos economistas confirmam essa prática nefasta de controlar a inflação através de políticas monetárias contracionistas (diminuição da liquidez - menos dinheiro irrigando a economia real). Países desenvolvidos não admitem juros altos e ao mesmo tempo não apresentam índices inflacionários altos. Então, como eles controlam a inflação? através de um nível de oferta agregada bastante elevado (produção em grande escala - nível tecnológico avançado e competitividade - apesar da globalização financeira ter deixado o setor produtivo mais concentrado - oligopolizado) e juros baixos para estimular a produção e não a mobilidade de capital na direção do setor financeiro.
Altas taxas de juros - no caso brasileiro as maiores taxas reais do mundo - inviabilizam a produção a médio e longo prazo, concentram renda nas mãos dos endinheirados, diminuem a nossa competitividade externa por valorizar demais a nossa taxa de câmbio e enfraquecem a nossa economia na sua essência. Moedas sobrevalorizadas - valorizam devido a atração de dólares quando os juros aumentam no Brasil - esses dólares inundam o mercado e desvalorizam; desta forma, provocam o efeito oposto, isto é, valorizam a moeda nacional - o Real. Economias inconsistentes não podem ter moeda forte, como é o caso do mais novo país falido da Europa - a Grécia. O aumento explosivo da dívida pública ocorre justamente quando o artificialismo econômico dos juros altos ou valorização excessiva da moeda faz com que o déficit na balança comercial aumente até o ponto que esses déficits sucessivos tornem-se crônicos e a dívida exploda. A solução mais acertada nesse tipo de situação é o default - moratória ou calote, e no caso da Grécia a saída da Zona do Euro imediatamente.
Outra falácia recorrente da mídia e dos economistas dos banqueiros é dizer que o governo precisa cortar gastos para equilibrar as contas públicas. Segundo esses magos sagrados dos mercados os juros são altos devido ao desequilíbrio das contas públicas no caso brasileiro; mas a questão passa por uma lógica inversa a essa apresentada.
O corte de gasto público é apresentado como um mal a sociedade, mas é certamente ele que detém a maior capacidade de fazer a economia funcionar para a maioria desde que as opções políticas encaminhem as demandas da sociedade. A gastança é considerada positiva quando bilhões ou trilhões de reais ou dólares são utilizados para o salvamento de montadoras de automóveis ou principalmente bancos. O bolsa família no Brasil representa cerca de 0,3% do PIB e mesmo assim algumas campanhas apresentam o programa como o responsável por deixar os brasileiros que precisam desses recursos ociosos e inaptos ao trabalho remunerado. A direita fascista desse país busca desqualificar políticas públicas dessa natureza, mas não em público, de forma direta, porque sabe que essa estratégia é suicida politicamente. Sabe-se que programas como o bolsa família e "Minha casa, minha vida" não são gastos, mas sim investimento, que renderá socialmente e economicamente em pouco tempo o mínimo suficiente para diluir a pobreza e aumentar a capacidade da economia de avançar em questões há muito subjugadas.
O administrador público ou privado que não perceber essa mudança sofrerá as consequências dos seus erros políticos e opções equivocadas em termos de ação e conduta em um mundo cada vez mais complexo e interligado. A ganância econômica e financeira continuará em um sistema capitalista cada vez mais concentrado e contraditório, mas os reveses não irão cessar e a luta de classes ascender como forma de tentar evitar a catástrofe social e humana, haja visto a Grécia.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Humildes lições de economia - parte 2

A partir da abordagem anterior verificamos que a economia brasileira pratica uma política quase que contraditória se não fosse lógica. Apesar da política monetária contracionista o governo abre os cofres para o gasto fiscal em infraestrutura e demais áreas sociais, além do crédito, minimizando os impactos negativos da política monetária e cambial. Com uma demanda reprimida, crédito e gastos do governo a economia continua crescendo, demonstrando que a política de juros altos sozinha não controla a inflação.
Vamos as explicações didáticas:

- Como o governo retira dinheiro de circulação (processo de enxugar liquidez) com a política de juros, já que o objetivo de controlar a inflação passa pela crença, de que, quanto menos moeda circulando menos inflação?

- O governo emite títulos da dívida pública no mercado financeiro com a intenção de pedir dinheiro emprestado para o mercado privado. Esse dinheiro emprestado faz parte do processo de retirada de dinheiro de circulação da economia. Detalhe: o governo paga juros de mercado seguindo a taxa básica (SELIC) que o próprio COPOM aconselhou ou sugeriu que fosse negociado no mercado; guarda esse dinheiro emprestado e não faz nada com ele, paga pela remuneração do capital fazendo aumentar a dívida pública.
Quando isso acontece em demasia a dívida pública baseada nos títulos pode ser explosiva e conduzir o governo a fazer um ajuste fiscal, isto, é, diminuir gastos sociais como saúde, educação e segurança e ainda aumentar impostos, já que a receita do governo cai devido a queda nos investimentos produtivos e a diminuição das receitas das empresas ( o governo arrecada menos sobre o lucro das empresas já que a atividade econômica cai)

- Qual a razão que explica o dinheiro recebido da remuneração pelos títulos não inflacionar o mercado?

O dinheiro retorna para a aquisição de novos títulos, já que o governo precisa continuar emitindo títulos para manter o controle de liquidez. O BACEN remunera os títulos,mas em seguida emite novos com prazos de pagamento diversos. Essa política fez a dívida pública saltar de cerca de 60 bilhões de reais no início do Plano Real para quase 2 trilhões de reais na atualidade. Até o final do mandato do presidente Lula essas cifras alcançarão esse patamar que eu mencionei.

- Como os outros fatores da economia são afetados?

Ocorre uma mobilidade de capital do setor produtivo para o financeiro quando a taxa de juros aumenta, inviabilizando os investimentos no setor real a longo prazo se a taxa básica continuar aumentando. O custo de oportunidade (a escolha da melhor alternativa de investimento) pende para o lado dos melhores ganhos ou rendimentos em detrimento dos seus custos e riscos. O setor financeiro remunera melhor, já que os custos de produção aumentam com os juros altos; não compensa o investimento em matérias-primas e na contratação de trabalhadores, já que a remuneração em títulos públicos é maior. Portanto, os investimentos caem e consequentemente a produção - o desemprego aumenta, a renda cai, assim como o consumo e a receita das empresas forçando so preços para baixo - diminui a pressão inflacionária.

E no câmbio?

As altas taxas de juros atraem capital especulativo (de curto prazo) do exterior para o Brasil, recheando o mercado de divisas de dólar - desvalorizando assim a moeda americana - consequentemente valoriza o real. Desta forma, o poder aquisitivo do real aumenta perante as outras moedas, tornando os produtos importados mais atrativos e consequentemente deixando os nossos produtos mais caros para vender no exterior. Esse aumento das importações força a competição, já que os produtores nacionais terão que concorrer com os produtores importados; forçando assim os preços para baixo no processo de competitividade. Em compensação a nossa balança comercial sofrerá as consequências, já que venderá menos e trará menos receita para o país podendo ocasionar déficits crônicos na nossa balança comercial. Isso será péssimo, já que poderemos entrar em colapso devido a dívida crescente e teremos que recorrer a empréstimos internacionais para cobrir a dívida (nos tornaremos reféns do FMI novamente). Vamos relembrar que o Brasil quebrou em 1999 devido a sobrevalorização cambial e a Grécia é mais um exemplo de ausência de fundamentos sólidos, devido a política de excessos governamental.

O caso das bolsas de valores no mercado de capitais conduz a uma lógica dual. Os juros elevados podem frustar os ganhos no setor produtivo, sendo que os seus fluxos de caixa futuro poderão sofrer alterações no sentido de queda fazendo com que o preços das ações baixem e os negócios nas bolsas diminuem. Por outro lado, fatores relacionados a notícias políticas fabricadas ou ao acaso, assim como rumores de ordem econômica no país ou n o mundo podem favorecer ou piorar as negociações das bolsas de valores, demonstrando que esse mercado é extremamente volátil e suscetível a crises. Após o fim de Bretton Woods e do lastro produtivo do keynesianismo o que resta a economia mundial são as organizações populares em prol uma articulação sólida que permita a sociedade a retomar as rédeas dos descasos dos governos e do capitalismo financeiro desenfreado. A Grécia tornou-se o exemplo da derrocada do sistema e ao mesmo tempo um modelo de luta e reivindicação política, mesmo que, infelizmente às custas da vida de supostos inocentes no processo de contestação que não dá sinais, pelo menos por enquanto, de trégua na combativa luta política.

Até o próximo encontro.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Humilde lições sobre economia - em especial a economia brasileira atual e seus links com a economia mundial

A economia brasileira atual segue a cartilha do mercado financeiro global, principalmente para uma nação com uma elite empresarial entreguista e com visão de curto prazo como a nossa. Segue algumas abordagens explicativas e críticas sobre o processo de condução da política econômica comandada pelo monetarismo.

 - O Banco Central do Brasil age como o banco dos bancos no Brasil. O BACEN - Banco Central do Brasil através do COPOM - Comitê de Política Monetária decide em um intervalo de aproximadamente 2 meses qual deverá ser a taxa básica de juros da economia no Brasil. Essa decisão não se realiza por decreto, mas sim, a partir de uma sugestão do COPOM. Portanto, a taxa básica de juros da economia passa por uma espécie de definição surreal; quer dizer, a sugestão do COPOM chega aos ouvidos do mercado financeiro, que negocia os empréstimos geralmente entre os bancos a partir da taxa sugerida, e, desta forma, os juros básicos serão repercutidos e evidentemente ampiados no que tange ao seu valor. Os juros foram definidos atualmente em 9,5% ao ano - a maior taxa de juros real do planeta - mas no cartão de crédito chega a ultrapassar 200% ao ano.

- A campanha dos meios de comunicação, a cooptação ideológica, a posição dos economistas dos banqueiros e as pressões de mercado surtiram efeito desejado sobre esse aumentos da taxa básica de juros com o objetivo de controlar a inflação. Mas a inflação nos países desenvolvidos há muito tempo encontra-se em patamares baixos e os juros caminham no mesmo sentido. Qual a razão então para que se combata a inflação com juros altos? A inflação brasileira tornou-se bastante contornável nos últimos tempos e pode ser considerado um resfriado. Mas a política monetária pode ser comparada a uma quimioterapia para um paciente com um resfriado. O paciente morrerá pelo tratamento e não pela doença. Utilizo desta analogia para afirmar que a inflação brasileira está sobre controle e que um aumento dos juros acarretará na piora dos indicadores econômicos, em especial o câmbio no sentido da sobrevalorização - implicando em perda de competitividade externa, aumento da dívida pública, diminuição dos investimentos produtivos privados e concentração de renda e riqueza. Portanto, juros altos não controlam a inflação de forma isolada, mas sim, os seus impactos nefastos sobre a economia, fazendo com que os investimentos, renda e empregos sofram quedas ao longo do tempo implicando em diminuição do ritmo de crescimento,  acarretando na queda dos preços - menos vendas = menos inflação, já que os preços não sobem.

- As questões relacionadas a câmbio e juros estão conectadas com as principais crises econômicas mundiais. A Grécia se tornou a nação mais visada nas últimas semanas devido a crise financeira. A Grécia me parece a triste prova de que economias inconsistentes não podem conviver com taxas de câmbio valorizadas. Moeda forte artificialmente não são para os fracos, mas sim para aquelas nações que tem economias sólidas com lastro baseado na produção. Para aqueles que querem se livrar das armadilhas neoliberais o pacote inclui moratória, default ou o famoso calote da dívida e ao mesmo tempo a retirada da zona do Euro, caso grego.

- Para o Brasil a lição dos mercados está sendo seguida em detrimento da lição da prudência e da construção de uma alternativa autônoma para a economia e consequentemente para a sociedade brasileira; mas o governo Lula empurrará o problema para aqueles que os sucederem. O avanço em relação algumas políticas públicas e as relações diplomáticas com o exterior permitiram ao Brasil mudar o rumo na direção de uma nação mais digna, mas não basta, já que a chave do cofre permanece em poder de um Banco Central praticamente independente do governo.