sábado, 15 de maio de 2010

A economia mundial em perspectiva - China e Estados Unidos

Matéria apresentada pelo jornal folha de São Paulo no seu caderno Dinheiro

São Paulo, sábado, 01 de maio de 2010


CESAR BENJAMIN

Anacronismo americano

O DEBATE sobre a política cambial chinesa se intensificou desde que 130 congressistas solicitaram que o governo americano declare, em relatório oficial, que a China manipula o valor da sua moeda, produzindo uma concorrência desleal que prejudica empresas e elimina empregos nos EUA. Se a solicitação for aceita, estará aberto o caminho legal para medidas de retaliação que podem gerar mais incerteza econômica em um mundo já bastante estressado. Estão em curso negociações delicadas.

A mania dos EUA de produzir relatórios unilaterais que colocam outros países no banco dos réus já criou grande número de situações ridículas, que agora podem se repetir. Os americanos deveriam ser os últimos a tocar no assunto de manipulação cambial, pois são os únicos que arbitram praticamente sem restrições o valor da sua moeda, emitida a rodo para financiar deficit que têm enorme impacto sobre todo o sistema internacional.

Os demais países têm reagido de diferentes maneiras à hegemonia desse dólar errante. Alguns, como o Brasil, liberaram a movimentação de capitais e entregaram a um mercado intrinsecamente especulativo a tarefa de fixar o valor de suas moedas, mesmo à custa de remessas crescentes e de danos aos sistemas produtivos locais. Outros, como a China, promovem uma abertura cautelosa e ordenada: sua moeda acompanha a trajetória da moeda de referência internacional, sem experimentar flutuações bruscas e sem gerar um desalinhamento cambial que comprometa o crescimento do país.

Não há movimentações especulativas de riqueza financeira na economia chinesa. E os recursos em moeda estrangeira, provenientes de exportações e de investimentos, são obrigatoriamente vendidos ao governo, que os paga em yuan, a uma taxa fixada pelo banco central. Por isso o yuan não se aprecia, gerando protestos.

A contrapartida chinesa ao sistema internacional é considerável. O país é, também, um grande importador. Suas reservas, atualmente de US$ 2,4 trilhões, são investidas, em grande parte, em títulos americanos de longo prazo, garantindo que os EUA se financiem com baixas taxas de juros. Mais de 70% das suas exportações são produzidas por companhias estrangeiras ou joint ventures.

E, por causa da integração das cadeias produtivas, a produção "made in China" movimenta todas as economias do Leste da Ásia, incluindo aliados importantes dos EUA, como Japão, Coreia do Sul, Cingapura e até mesmo Taiwan.

Estamos diante de uma disputa de novo tipo pela hegemonia, diferente dos confrontos diretos do século 20. A competição convive com uma intricada teia de interesses complementares, que ainda predominam.

Os EUA não podem ameaçar todo esse arranjo, do qual também dependem. Parecem ter dificuldades em se reposicionar. Os políticos insistem em explicações fáceis para o eleitorado, enquanto o governo mantém em vigor medidas anacrônicas. Adota, por exemplo, uma política comercial altamente discriminatória, que proíbe a venda de produtos de alta tecnologia ao país asiático.

Ao decidirem exportar para a China apenas produtos industriais comuns e bens agrícolas, os EUA abrem mão da sua maior vantagem e se condenam a ter grandes deficit.

A avareza da política comercial americana, além de anacrônica, é cada vez mais inócua: neste ano, a China ultrapassará os EUA na formação de doutores em ciências e nas engenharias. Parece que o pensamento chinês se adapta melhor a esse jogo complexo em que o tempo é um fator decisivo.

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