sábado, 15 de maio de 2010

A armadilha do Euro e seu aprisionamento econômico e político

Matéria apresentada pelo jornal Folha de São Paulo no seu caderno Dinheiro

São Paulo, 01 de maio de 2010

ARTIGO

A armadilha do euro

PAUL KRUGMAN

DO "NEW YORK TIMES"

Há não muito tempo, economistas europeus costumavam zombar dos colegas americanos por terem questionado a sabedoria do avanço europeu em direção à união monetária. "Em geral", declarava artigo publicado em janeiro, "o euro até o momento se saiu muito melhor do que muitos economistas dos EUA previram."

Ops. O artigo resumia a opinião dos observadores céticos quanto ao euro como: "Não pode acontecer, é uma má ideia, e não vai perdurar". Bem, aconteceu, mas no momento parece ter sido uma má ideia, e pelos motivos que os céticos mencionavam. E, quanto a durar ou não, essa questão parece subitamente estar em aberto.

Para compreender o fiasco do euro -e as lições que ele pode nos ensinar-, é preciso ir além das manchetes. No momento, todo mundo está concentrado na dívida pública, o que faz a história parecer envolver uma simples incapacidade de governos para controlar seus gastos. Mas isso é só parte da história no caso da Grécia, porção ainda menor no caso de Portugal e absolutamente irrelevante no caso da Espanha.

O fato é que três anos atrás nenhum dos países que agora estão em crise ou perto disso parecia estar enfrentando sérios problemas fiscais. Até na Grécia, o deficit orçamentário em 2007, como proporção do PIB, não era superior aos norte-americanos na metade dos anos 1980, enquanto a Espanha registrava superavit. E todos esses países estavam atraindo pesados fluxos de capital estrangeiro, em larga medida porque os mercados acreditavam que participar da zona do euro tornava os títulos gregos, portugueses e espanhóis investimentos seguros.

Então veio a crise. Os fluxos de capital se esgotaram, a arrecadação caiu e o deficit disparou; e a integração ao euro, que havia encorajado os mercados a amar demais, mas com certa insensatez, os países em crise, transformou-se em armadilha.

Qual é a natureza dessa armadilha? Durante os anos do dinheiro fácil, os salários e os preços nos países em crise subiram muito mais rápido que no restante da Europa. Agora que o dinheiro deixou de entrar, os países precisam retomar o controle sobre os custos.

Mas isso é mais difícil de fazer agora do que era o caso na época em que cada país europeu tinha sua moeda. Os custos podiam ser controlados via ajustes no câmbio -ou seja, a Grécia podia reduzir seus salários em relação aos alemães por meio de simples redução no valor da dracma ante o do marco. Agora que Grécia e Alemanha usam a mesma moeda, a única maneira de reduzir os custos relativos gregos é via uma combinação entre inflação na Alemanha e deflação na Grécia. E, já que a Alemanha não aceitará inflação, só resta a deflação.

Processo doloroso

O problema é que a deflação -a queda nos preços e salários- é sempre, e em qualquer parte, um processo profundamente doloroso. Ela invariavelmente envolve uma prolongada queda na atividade econômica e desemprego elevado. Também agrava os problemas de dívida, tanto privada quanto pública, porque a renda cai e a carga de dívidas não.

Daí a crise. Os problemas fiscais da Grécia seriam sérios, mas administráveis se as perspectivas da economia grega nos próximos anos parecessem mesmo que modestamente favoráveis. Mas não é o caso.

Assim, o que acontecerá com o euro? Até recentemente, a maioria dos analistas, e eu também, considerava que abandonar o euro seria basicamente impossível, pois qualquer governo que desse a mais remota indicação de estar contemplando essa possibilidade estaria convidando a uma corrida catastrófica contra os bancos do país. Mas, se os países em crise se virem forçados a decretar moratória, provavelmente enfrentarão severas corridas aos seus bancos de qualquer forma, o que os forçaria a adotar medidas de emergência, tais como restrições temporárias aos saques bancários. Isso abriria a porta para o abandono do euro.


Reação em cadeia

O euro está em perigo, portanto? Em resumo, sim. Caso os líderes europeus não comecem a agir com mais vigor, oferecendo à Grécia assistência suficiente para evitar o pior, uma reação em cadeia iniciada por uma moratória grega e capaz de causar estragos maiores parece bastante possível.

Enquanto isso, que lições isso ensina ao resto de nós?

A linha dura quanto ao deficit orçamentário já está tentando se apropriar da crise europeia, usando-a como lição prática sobre os riscos dos deficit. O que a crise realmente mostra, porém, é o perigo de se colocar em uma camisa de força econômica. Ao aderir ao euro, Grécia, Portugal e Espanha se privaram da capacidade de fazer coisas ruins, tais como imprimir dinheiro demais, mas também negaram a capacidade de responder flexivelmente aos fatos.

E, quando uma crise estoura, os governos precisam ter capacidade para agir. É isso que os arquitetos do euro esqueceram -e que o resto de nós deveria lembrar.



Tradução de PAULO MIGLIACCI

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